Beijo de Deus

 

A cada novo dia, recebo um beijo de Deus, assim como uma criança recebe um beijo do pai ao acordar. Estando em São José da Varginha, onde ganhei uma paróquia de presente, sinto-me beijado por Deus, a cada manhã, assim que abro as janelas da Casa Paroquial. As janelas na frente da casa, ficam opostas ao nascente. Então, sou um privilegiado pois, vejo o sol se levantar todos os dias. Atrás da Matriz de São José ele surge formoso e corado de vergonha como uma criança que perdeu a hora.  No crepúsculo da tarde ele se esconde e, apenas, projeta nas paredes da igreja seus raios agonizantes. É de perder a fala! Até parece, que a igreja foi projetada para acompanhar o percurso do sol...

Deus me cerca por todos os lados, assim como um amante sedutor, querendo atrair para si o olhar da amada. Quando abro as janelas da cozinha, ao fundo da casa, posso vê-lo esparramado sobre as folhas das couves refletindo com verde-esmeralda milhares de arco-íris. Santa Tereza dizia que via Deus entre as panelas de sua cozinha. Que ela me perdoe mas, eu o vejo por todos os lados. Está presente no brilho da manhã me prometendo o paraíso e ao cair da tarde me prometendo aconchego.  Percebo-o, ao  fundo de minha horta bebendo  água nas folhas das couves...

Do lado esquerdo de minha casa, posso vê-lo, no sorriso luminoso de Alzira, uma vizinha, cujo maior pecado foi matar um frango! Vou explicar melhor essa estória: Outros dias, ganhei um frango, vivo, do meu amigo Beto. Era para ser comido no almoço. Ao ser comunicada que deveria cometer aquele “assassinato” Naura, que trabalha comigo, tremeu dos pés à cabeça. Por sorte, seu marido Antônio passava por ali com cara de mau. Então, pensei que meu problema estivesse resolvido. Só com um dedo ele vai matar esse frango, imaginei. Que nada! Ele ficou pálido como flor de algodão diante de meu pedido. O tempo não parava de movimentar os ponteiros do relógio e o frango ali, à espera de seu algoz. Nisso, apareceram três visitas em minha casa: Felipe, Hélio e João Vitor. Agora estou feito, pensei. Os meus problemas acabaram, afinal, eles vieram para o almoço e, nada mais justo, que colaborassem com o preparo da refeição. Exposta a situação Felipe fingiu não ouvir, João Vitor fez cara de paisagem e Helinho, após tossir e piscar, disse-me, que havia feito uma promessa e, por isso, não poderia tirar a vida do frango. Agora você imagine! Quem faria uma promessa assim? Até parece que iríamos acreditar naquela lorota...  No auge do desespero, lembrei-me de Alzira, a vizinha do sorriso iluminado. Não se engane com as aparências pois, a mulher é fera! Na ocasião, foi chegando outra fera: Lúcia do Totonho. Ao pressentir o que ocorreria, rapidamente, sai de perto. Acho que uma segurou e a outra esfaqueou o penoso. Só fui encontrar com ele na mesa do almoço. Ai foi aquela festa! 

Mas, voltemos ao fio da narrativa: Eu dizia que vejo Deus em todas as direções. Então, faltou-me falar sobre o lado direito da casa, onde mora Dona Luzia, desde que o mundo é o mundo. Assim como o seu pé de jabuticabas, Dona Luzia está bem enraizada em São José da Varginha. No alto de seus 80 anos e caminhando com auxílio de andador, ela não perdeu a juventude nem a esperança pois, ainda sonha em dançar um forrozinho. Cercado por tudo isso, eu lhe pergunto: Como não sentir, naquele local, a presença viva de Deus? Teria que ser mais insensível que uma pedra para não ser tocado por Ele a cada instante. Assim como o salmista, eu também posso dizer: Para onde irei, para onde fugirei? Se subo ao céu ou se me prostro no abismo eu te encontro lá. Para onde irei, para onde fugirei? Se estás no alto da montanha verdejante ou nos confins do mar...

Fotos: Matriz São José, em São José da Varginha. Horta da Casa Paroquial -  Arquivo pessoal