Salamandra: um bichinho que se alimenta de fogo

 

Salamandra é um nome bonito. Penso que até poderia ser nome de gente. Mas, na verdade é o nome de um anfíbio, pouco conhecido entre nós, que se parece com uma lagartixa. O imaginário medieval afirmava que ela tinha poderes especiais, uma espécie de sobrevida, capaz de resistir à água e ao fogo.  Acreditava-se que ela tinha poder de caminhar sobre as brasas sem sofrer nenhum ferimento e alimentava-se das chamas, podendo inclusive, apagá-las.  Esse anfíbio era envolto em magia e invejado por meio milhão de pessoas, afinal, quem não gostaria de ter uma sobrevida assim?

Hoje sabemos que a salamandra costuma abrigar-se em troncos secos que a expulsam quando colocados ao fogo. Sabemos também que ela tem um liquido, sobre o corpo, capaz de protegê-la, pelo menos, no curto espaço da fuga. Na verdade, ela não engole fogo nem tem o poder de apagar as chamas. Apenas consegue se garantir num curto espaço de tempo. Não deve ser muito fácil ao bichinho acordar com sua cama, completamente,  incendiada...

Mas, a propósito de quê, estou falando da salamandra? Bem, esse bichinho foi citado por São Francisco de Sales, na sua obra “Filotéia”, quando tratou do tema da amizade. De acordo com o santo, cada um de nós deve aturar as falhas dos amigos, principalmente, se essas falhas são pequenas. Mas, seria uma grande ilusão, pensar que conseguiremos apagar, com as chamas de nossa amizade, as grandes falhas dos amigos. E o que fazer nesses casos?  Um bom amigo, de fato, tem o poder de mudar o outro. Mas, pode acontecer de ele também se queimar junto. O poder da amizade não é infinito. Você pode conviver bem com seus amigos, mas chega uma hora que para seu próprio bem, é melhor afastar-se. Se o amigo escolheu o caminho da droga, por exemplo, você não deve ir junto com ele. Caso, contrário você também acabará se queimando nessa fogueira. Não se esqueça: A salamandra se garante apenas por um curto período de tempo. Com o líquido, próprio de sua pele, ela pode apagar as primeiras brasas. Mas, esse líquido não tem poderes ilimitados. Portanto, não pense que você será o salvador da lavoura e carregar para sempre o amigo que optou pelo caminho do erro.  Nas palavras do Santo podemos ter um melhor entendimento da questão:

A verdadeira amizade não se pode conciliar com o pecado, porque este a arruína inteiramente, como a salamandra, que se diz que extingue o fogo. Se for um pecado passageiro, a amizade o expele, imediatamente, por um bom conselho; mas, se se tratar dum pecado habitual, ele destrói toda a amizade, que só pode existir com a verdadeira virtude. Muito menos, portanto, se há de pecar por causa do amigo, o qual se tornaria nosso inimigo, se nos quisesse levar ao pecado, e bem mereceria perder a nossa amizade, se tivesse em mira perder a nossa alma. (Filotéia XXII)

É muito interessante esse pensamento salesiano sobre a amizade. O amigo é aquele que estende a mão para você puxá-lo do buraco, caso esteja nessa situação. Mas, ele não pode arrastar você também para o buraco junto com ele. Nesse caso, ele não é um amigo, pois não quer o seu bem. Quem deseja arrastá-lo também para o buraco não deseja o seu bem e a sua salvação. Nesses casos, é melhor romper esse tipo de relacionamento por ter deixado de ser um relacionamento saudável. Por isso, é preciso pedir a Deus sabedoria para saber até onde deve ser mantida uma relação que já foi de amizade. As pessoas são livres para fazer suas escolhas e, infelizmente, alguns escolhem o caminho das brasas. Você não deve bancar a salamandra e achar que poderá apagar qualquer tipo de fogueira para salvar o antigo amigo. É preciso tomar cuidado para não se queimar junto com ele...

Imagem de Sonja Rieck por Pixabay