Você seria capaz de arrancar a porta?

 

Em Minas Gerais, a Semana Santa, normalmente, é encarada com muito respeito. Até quem não tem uma prática religiosa costuma dar as caras durante esse tempo. As celebrações litúrgicas são cheias e aquelas advindas da piedade popular são mais cheias ainda.  O que vem da liturgia é normatizado pela igreja enquanto as celebrações da piedade popular são mais livres em suas manifestações.  Isso acontece com as vias sacras, encenações e procissões.  Antes da procissão do encontro que, normalmente, acontece na quarta feira se fazem duas outras procissões: uma na segunda e outra na terça feira. Num desses dias a comunidade deposita a imagem do Senhor dos Passos em uma casa e no outro dia deposita, igualmente, a imagem de Nossa Senhora das Dores em outra casa. Na quarta feira santa, realiza-se o encontro das imagens na Igreja principal. Esse encontro costuma ser bastante solene, seguido de sermão e missa.

O povo tem o seu jeito de organizar essas celebrações e sabe contornar as dificuldades para que isso aconteça. As imagens, nem sempre, tem o mesmo tamanho e os andores também costumam ser improvisados. Certa vez, quando a procissão do Senhor dos passos chegou à residência de Dona Isabel, uma pessoa de muita devoção, aconteceu algo surpreendente: O andor com a imagem não passava pela porta da casa. A situação gerou certo constrangimento e, naquele momento, ninguém sabia o que fazer.  Mas, Dona Isabel não fez ninguém esperar ou tomar outra decisão. Tomou uma marreta e quebrou parte da parede onde se afixava o marco da porta. Pronto, afirmou: Jesus não vai deixar de entrar em minha casa por causa de uma porta! Assim, resolveu o problema e improvisou uma cortina de pano em lugar da portinha de madeira.

De acordo com Dona Isabel, tudo poderia acontecer menos deixar de acolher Jesus em sua casinha humilde. O que parece exagerado, por parte de alguns, poderia servir para nós, de grande lição. Você seria capaz de arrancar uma porta para acolher Jesus em sua casa? Calma! Ninguém precisa apanhar uma marreta. Basta pensar que a casa pode ser o seu coração e, para abri-lo, você não precisará fazer tanto esforço.  Jesus deve estar cansado de tomar portas na cara. Por isso, acho que, apesar do gesto extremado, ficou feliz com a atitude de Dona Isabel.

A cena que narrei fez-me lembrar de algumas passagens bíblicas onde algo semelhante aconteceu. Lembrou-me o gesto de Abraão que, na hora mais quente do dia, teve disposição para acolher alguns mensageiros desconhecidos e, sem saber, acolhia o próprio Deus (Gn 18,1-10). Ao acolher tão bem aqueles “viajantes” e abrir a porta para eles Abraão foi agraciado com o dom da vida pois, a partir daquela visita, conseguiu ter o filho tão sonhado! Lembrei-me também da passagem bíblica que mostra a maneira como Jesus foi acolhido em casa das irmãs Marta e Maria (Lc 10, 38-42).  Enquanto Maria postou-se aos pés de Jesus, como verdadeira discípula, Marta ficou preocupada demais com os afazeres domésticos e, por isso, mereceu uma reprimenda de Jesus. Afinal, Jesus não foi ali para ver casa arrumada mas um coração arrumado... O coração de Maria, nesse caso, parecia mais agradável ao Mestre. Poderia ainda lembrar da passagem bíblica que mostra Jesus na casa de Zaqueu. Ao receber, imerecidamente, essa visita Zaqueu afirmou: Vou devolver o que roubei aos pobres e consertar minha vida... Além dessas passagens mencionadas poderia ainda lembrar-me de outras como aquela da mulher que quebrou um vidro cheio de perfumes aos pés de Jesus... Todas essas situações mostram as diversas maneiras como Jesus foi acolhido entre os seus.

No corre-corre do dia a dia afirmamos não termos tempo para Deus. Muitos já não rezam mais e quando o fazem acabam fazendo de qualquer jeito. Na verdade, não temos tempo nem para a família ou amigos! Vivemos para o trabalho e já nem sabemos porque trabalhamos tanto. Nesse turbilhão corremos o risco de bater a porta na cara de Jesus não o acolhendo como Abraão ou Maria. É uma pena! Deus não marca dia ou horário para estar conosco. Então, fiquemos atentos para não trocá-lo por coisas miúdas...

Imagem de Hands off my tags! Michael Gaida por Pixabay