Congado: Dança de rua que grita por liberdade

  O Congado é uma das festas mais belas e populares de Minas Gerais. Com algumas variações   ela acontece   nas pequenas e grandes cidades m...

 


O Congado é uma das festas mais belas e populares de Minas Gerais. Com algumas variações  ela acontece  nas pequenas e grandes cidades mineiras em boa parte do ano. Faz algum tempo acompanho tais festas e, confesso que, aprendi muitas coisas na convivência com os congadeiros.  Suas músicas estão ligadas aos temas da escravidão ou ao catolicismo popular ressaltando,  principalmente,  a devoção à Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Santa Ifigênia. A África é recriada, no Brasil, a partir da mistura de diversos povos africanos que vieram para cá na condição de escravizados.  Há quem afirme que a devoção a Nossa Senhora do Rosário já existia na África antes do tráfico negreiro. Pode ser. Mas, ela foi adotada mesmo pelos congadeiros por causa de um mito de origem sobre a aparição de Nossa Senhora. Esse mito, às vezes colocado no Brasil, outras vezes na África, afirma  algo mais ou menos assim:


No tempo da escravidão, quando os negros não podiam frequentar as igrejas, Nossa Senhora do Rosário apareceu na praia (às vezes, na mata). Os brancos foram buscar Nossa Senhora para a capela da casa grande, mas ela não os acompanhou. O grupo de Catopé -quatro-pés-(1) também foi buscar a santa. Ela achou graça da dança deles, mas não os acompanhou.  Os negros do Congado pediram permissão aos brancos para buscá-la. Prepararam seus tambores e tocaram para Nossa Senhora. Ela deu, apenas, dois passos. Então, o grupo de Moçambique foi, tocou e dançou. Nossa Senhora os acompanhou e permaneceu na capela. Desde então, os negros puderam frequentar a Igreja. Quem os introduziu nela  foi a própria Mãe de Jesus. Antes disso, Nossa Senhora chorou, ao ver o sofrimento dos escravizados. De suas lágrimas brotaram um capim de cuja semente se faz o rosário. Trata-se do rosário de contas de lágrimas, preferido de todos os congadeiros.

Antes mesmo da abolição da escravatura, Nossa Senhora já havia igualado brancos e negros no interior da Igreja durante seus festejos. Pelo menos essa é a compreensão do mito. A ideia não foi suficiente para mudar a realidade, mas pelo menos durante as festas (Reinado de Nossa Senhora) os negros podiam se enfeitar, dançar e cantar pelas ruas. Quem lhes deu esse direito? Nossa Senhora do Rosário! A rua tem o sentido da liberdade. Se antes os negros rezavam escondido, no escuro das senzalas, a partir de então eles podem se enfeitar, cantar e dançar em plena rua!


Apesar de ser popular a Festa do Congado (ou Reinado de Nossa Senhora) ainda  não é bem compreendida por muitos,  além de sofrer discriminações. Muitas vezes, a procissão realizada durante a festa, conta, apenas, com a presença dos congadeiros!  Não dá para ignorar o racismo latente  na sociedade brasileira. Há um muro que  segrega e separa as pessoas... A festa, muitas vezes, é vista como “festa de pretos,” por alguns, que não se aproximam dos festejos ignorando que, todos nós, temos nas veias, sangue africano. Como a festa está ligada ao catolicismo popular ela também costuma não ser compreendida pelos defensores da ortodoxia litúrgica.  É preciso entender, no entanto, que durante séculos de escravidão a igreja só existia para os brancos...

Enquanto herança africana o Congado carrega em sua memória um passado glorioso e mítico onde os reis e rainhas do Congo eram cercados de luxo e riquezas. Por isso, cada grupo faz questão de ter o seu rei e rainha e nutre, para com os mesmos, profundo respeito e veneração. Às vezes, se tem uma rainha perpétua, normalmente, uma  anciã, que guarda os saberes dos antigos. Para cada ano costumam coroar outro rei e outra rainha para ajudar na coordenação da festa.  

Ao lado do rei e da rainha o “capitão” é uma figura muito importante no congado. O nome “capitão,” como a palavra “guarda,” ou “alferes,” lembram uma organização militar. Naturalmente, os escravos conheceram a figura do “capitão do mato”. Mas, enquanto esse era visto como inimigo, o capitão da guarda é quem defende e protege o seu grupo com o bastão sagrado.  Cabe a ele proteger o grupo até mesmo das forças espirituais que podem levar à desunião. Por isso, o capitão deve ser exemplar e ser respeitado pelos integrantes da guarda. Ele é o elemento que liga o passado e o futuro. O seu bastão, muitas vezes, lembra uma raiz, exatamente por causa disso. Ele está ligado aos saberes ancestrais do grupo e além de puxar os cantos se responsabiliza pela organização da festa.


A bandeira e o mastro são elementos sagrados no congado. A Bandeira com a imagem do santo abre caminho para a guarda. A rua também pode esconder seus perigos. Existem forças espirituais contrárias à santa devoção. Por isso, os congadeiros não saem sem a bandeira que é, cuidadosamente, guardada na casa de uma pessoa quando não há festejos. O mastro, além de anunciar a festa é o elemento de ligação entre o céu e a terra. Por isso, é reverenciado pelos congadeiros. Durante o período da festa ele fica erguido como sinal de proteção aos festeiros.

Como se vê, a Festa do Congado é cheia de simbolismo e riquezas. O Congado é um espaço de educação e preservação da memória. Nele as crianças aprendem a respeitar o sagrado, os mais velhos e alimentam a devoção. Tudo isso acontece dentro de um clima de simplicidade e amizade onde Nossa Senhora do Rosário ocupa um lugar central. Ao lado dela outros santos são cultuados. Com muita simplicidade e de forma popular esses nossos irmãos e irmãs deveriam ser mais valorizados em nossa sociedade. Afinal de contas,  são guardiães de uma cultura sofrida que soube resistir a todas as provações sem largar o rosário de Maria.

 1-      Catopé – Quatro-pés = O grupo é chamado assim, porque dançava agachado e às vezes, punha as mãos no chão para dançar. Daí, quatro pés!

Curiosidades:

Moçambique, Congo, Catopés, Vilão... São variações desses grupos ligados à Festa de Nossa Senhora do Rosário. O Vilão nem sempre  canta. Dança usando varetas ou paus para produzir suas coreografias.

Patangome – Caixa fechada tendo em seu interior contas soltas. Ao ser agitada ela imita o som do chocalho. O Instrumento é muito usado no Moçambique. Conta-se que os brancos amarravam um chocalho nas pernas dos escravos para que eles não fugissem. O Moçambique adotou o instrumento na dança de roda para disfarçar as fugas. Enquanto o escravo fugia, naturalmente, fazendo o barulho do chocalho, o capitão do mato pensava que os negros estivessem dançando.

Vilão: O vilão é um grupo que nem sempre canta. Dança fazendo coreografias com paus. No tempo da escravidão os negros não tinham acesso às armas. Então, o recurso era usar os paus. A dança com os paus, na verdade, era uma espécie de treinamento de guerra. Enquanto os brancos pensavam que eles estivessem dançando estavam na verdade treinando com as armas que tinham, ou seja, pedaços de paus.

Fotos: Arquivo pessoal 

Foto em destaque: Bryan Henrique e Emanuely Faria

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  1. Oi padre eu sempre leio as histórias que vc pública muito bom viu

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  2. Eu sou devota de N Sra do Rosário e me.emociono e.me encontro quando participo de uma festa de reinado ,congado, não sei explicar, tá no sangue, me.emociona, me encontro e me realizo estando.junto.Nao tinha tanta informação, só tinha um.pulsar, um emoção, uma alegria imensa dentro do meu peito.Sinto sim , tá no sangue.

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  3. É maravilhoso ouvir e ver o congado
    AS músicas A dança...

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  4. Meus avós maternos sempre foram devotos de Nossa Senhora do Rosário enquanto vivos com saúde tinha o prazer estar a frente das festas de Nossa Senhora do Rosário e foram anos e anos que toda família Santos foram festeiros . Eu tive a graça de colocar a coroa de de Nossa Senhora e ser Rainha um presente de Deus .

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