O dia em que passei vergonha

 

Existem certas passagens na vida da gente que nos marcam para sempre. Uma delas me marcou, profundamente, e até hoje me envergonho dela. Mas, como me serviu de lição, então, vou dividi-la com você. Aposto que você também já passou por situações semelhantes, afinal de contas, a fraqueza é o grande ponto que nos une a todos.

Era uma manhã de sábado e eu ainda morava no Seminário em Belo Horizonte. Não me lembro, exatamente, qual o ano isso aconteceu mas o episódio nunca mais saiu de minha cabeça. Naquele tempo, a gente tinha uma horta no seminário e eu era um dos encarregados de cuidar dela. Isso ajudava a abastecer o seminário de verduras e, por isso, a horta era tão importante. Alguém chamou na campainha e deixei o trabalho para atender a porta. Do lado de fora duas mulheres paupérrimas pedindo esmolas. Suas roupas estavam em molambos e não havia mais onde colocar tristeza em suas fisionomias. Meio sem jeito, uma delas olhou-me, e pediu-me, algumas folhas de couve. Deixei as duas do lado de fora e fui apanhar as verduras. Assim que retornei dirigi-lhes a seguinte pergunta: - Porque vocês não andam separadas? Desse jeito ficaria mais fácil ajudá-las, pois, nem sempre podemos atender se o pedido for para muita gente... As mulheres pegaram as couves, agradeceu-me e uma delas me respondeu assim: - Olha, moço, conosco não tem problemas, se a gente ganhar uma única folha a gente a divide! Naquele momento minha cara ficou vermelha e quase morri de vergonha. Senti que a resposta não veio das mulheres mas do próprio Cristo que desafiava minha caridade.  No meu egoísmo eu dizia que era melhor andar sozinho para ganhar mais sem ter que dividir com ninguém. Logo eu, que me preparava para o sacerdócio, tão embutido de um raciocínio egoísta e nada cristão!

Naquele dia Jesus me deu uma grande lição por meio das mulheres. Na minha “esperteza” escondia o meu individualismo egoísta enquanto elas, que nada tinham, estavam dispostas a dividirem uma única folha de couve! Esse fato ficou gravado em mim por toda a vida. Foi Jesus que, disfarçado no pobre, se apresentou em minha porta para me dar, com muita delicadeza, um grande puxão de orelha.

Nosso mundo, infelizmente, está cheio de gente egoísta como eu fui naquele dia. Esse egoísmo está arraigado no coração de todos nós. Talvez seja esse, e não outro, o motivo que leva alguns a terem em excesso enquanto outros não têm o necessário para comer. O agravante de nosso tempo é o que pode ser chamado de “ostentação”. De acordo com essa mentalidade perversa, não basta ter, é preciso ter e ostentar. Verdadeiramente isso não deveria combinar com a ética cristã. A ostentação de alguns acaba sendo um insulto para aqueles que não tem nem mesmo o básico para a vida. Como alguém pode se dizer cristão ou cristã e ostentar uma bolsa ou relógio cujos valores dariam para comprar uma casa popular? Que Deus nos ajude a construir uma sociedade menos egoísta e mais fraterna. Que ele nos ajude a dividir com o outro até mesmo uma folha de couve, se for necessário! Amém.

Imagem de Petra por Pixabay