Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna

  Em 1928, Mário de Andrade, escreveu “Macunaíma”, um romance modernista que, posteriormente, foi transformado em cinema, mais precisamente ...

 


Em 1928, Mário de Andrade, escreveu “Macunaíma”, um romance modernista que, posteriormente, foi transformado em cinema, mais precisamente em 1969, e faturou diversos prêmios na ocasião. Macunaíma é o herói sem caráter que, representado no filme por Grande Otelo, arrancou risos e aplausos de todos.

Particularmente gosto de uma cena do filme que retrata o encontro de Macunaíma com o Curupira, um personagem da mitologia indígena brasileira (1). Macunaíma enganou a própria mãe que o abandonou na floresta por certo tempo. Uma das funções do Curupira é castigar quem teve má conduta. Assim que o encontro se deu, o Curupira cortou um lanho de carne na própria perna para matar a fome do “menino”. Pelo visto, queria ganhar a sua confiança para depois puni-lo. Macunaíma percebeu o jogo e pôs-se a correr pela floresta. Mas, o pedaço de carne do Curupira que ele havia engolido tinha voz própria e respondia aos chamados do “pai”. De tal sorte que por onde andasse, a carne, já na barriga, enviava um sinal para o Curupira. A situação só foi resolvida quando Macunaíma vomitou o pedaço de carne...(Não deixe de ver a cena do filme ao final desse texto)

A carne de si mesmo oferecida pelo Curupira não tinha objetivo de ajudar Macunaíma que estava perdido na floresta. Foi só um meio de controlar a sua presença, uma espécie de “GPS” à moda antiga.  A “generosidade” do Curupira era um meio astucioso de lhe garantir benefícios. Esse tipo de comportamento é mais comum, entre nós, do que imaginamos. Costumamos “dar com uma mão para receber com a outra”.

Existe uma passagem bíblica que muitos não suportam (Jo 6, 54). Nela Jesus afirma com todas as letras: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna...” Ao ouvir essa afirmação, os judeus ficaram murmurando, diz o texto: “Como é que ele pode dar a sua carne a comer?” Outros preferiram deixar de acompanhar Jesus e disseram: “Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?” (Jo 6, 60).

Os textos bíblicos não devem ser lidos sem uma interpretação correta. Comer é assimilar o alimento de tal maneira que ele seja absorvido pelo organismo. Alimentar-se de Cristo é absorver a sua mensagem de tal maneira que ela passe a fazer parte de nós. Cristo quer fazer parte de nós e de nossas vidas. Quando o recebo como alimento na Eucaristia é como se eu mesmo me tornasse um sacrário vivo para Jesus. Para entender isso, é preciso que haja fé. A fé é um dom de Deus que requer a nossa aceitação e colaboração. De nada adianta Deus me enviar uma chuva de graças se eu abro a sombrinha... Nem todos nutrem esse desejo pelas coisas do alto. Limitam suas vidas ao horizonte material. A preocupação com as coisas materiais, de fato, é necessária. Mas, é preciso se preocupar também com o que está além do horizonte. Como iremos enfrentar determinados problemas, como as doenças e a própria morte se nunca nos preocupamos com a espiritualidade? Para clarear esse pensamento vou narrar uma história:

 “Uma mula disse a um camelo: “Como é que estou sempre tropeçando e caindo, enquanto tu nunca dás um passo em falso?” O camelo respondeu: “Meus olhos estão sempre voltados para cima, e eu vejo muito adiante de mim, enquanto teus olhos estão voltados para baixo, e tu só vês o que está imediatamente sob teus pés”. A mula admitiu a verdade das palavras do camelo e pediu-lhe que agisse como seu guia no futuro, com o que o camelo consentiu...

Assim também, a razão parcial não pode ver além da cova, mas a razão real olha adiante para o Dia do Juízo e está, portanto, capacitada a seguir um caminho melhor nesse mundo” ... (2)

No mundo temos muitas mulas e muitos Curupiras. Mas, é preciso fugir dessa lógica. Caso contrário, estaremos sempre condenados aos tropeços que a vida coloca diante de nós.

1-https://www.youtube.com/watch?v=meKxJnhTc9k

2-Rumí, Maulána Jalal- ud-Din, Muhammad I, 1207 – 1273. Masnavi. Trad. De Mônica Udler Cromberg e Ana Maria Sarda. Rio de Janeiro; Edições Dervish, 1992 – Livro IV, PP -259

Imagem de Deborah Hudson por Pixabay 

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  1. Admirável o capricho do Senhor padre com a mensagem que quer transmitir. Usa de filme, músicas ilustrando como foi neste belo texto.
    Sobre a comunhão temos mais é que agradecer a Jesus por nós fortalecer através de seu corpo e sangue. Feliz de quem crê porque nunca está só.

    ResponderExcluir
  2. Que tenhamos um pouquinho da fé e do amor de São Paulo: A partir de agora não sou eu que vivo é Cristo que vive em mim.

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  3. Sempre me encanto com sua sabedoria e estilo único no seu modo de evangelizar e transmitir a fé em Cristo...

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  4. Que lindo texto padre!! 👏🏻👏🏻

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  5. sua benção, padre.
    Não seria "vida eterna"?

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    Respostas
    1. Sim, meu irmão. Obrigado. Foi um erro de digitação. Obrigado

      Excluir

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