Soroco, sua mãe, sua filha
Eu não sei qual é a experiência do leitor a respeito do tema “loucura”. Uma coisa me parece certa: O “louco” é alguém que age livremente dia...

Eu não sei qual é a experiência do leitor a respeito do tema “loucura”.
Uma coisa me parece certa: O “louco” é alguém que age livremente diante das
convenções sociais. Para ilustrar isso, vou citar dois casos que presencie.
Ambos aconteceram em ambiente de igreja.
Certa vez, durante uma reunião que acontecia no segundo andar
do Salão Paroquial ouvi grande alarido das crianças no pátio da Igreja. Cheguei
à janela e a cena que vi foi, no mínimo, inusitada: Um doido dando banho de mangueira
no outro sem se importar com os olhares curiosos. O que se banhava estava completamente
nu e, apreciando o banho naquela tarde ensolarada. Não mencionei os nomes dos
personagens para evitar problemas. Por isso, os chamei genericamente de “doidos”. Naquela tarde, o calor estava tão intenso que, para falar a verdade, tive uma pontinha de inveja do louco que se beneficiava do banho público.
O segundo caso, não foi muito diferente do primeiro. Por volta
de 15 horas durante a reunião do Apostolado da Oração um “doido” adentrou a
igreja e se despiu, completamente, diante das piedosas senhoras. Algumas que cochilavam
durante a oração pensaram que fosse uma visão. Só depois constataram que, de anjo, o doido não tinha nada. Espavoridas, feito um bando de andorinhas, saíram todas correndo da Igreja. Em ambos
os caso fui intimado para arbitrar a questão que, graças a Deus, tiveram bom
desfecho. Os “doidos” são sempre
perdoados e, talvez, por isso, alguns se passam por doidos para auferir algum
benefício da situação. Atualmente, até mesmo alguns políticos posam de doidos
para não serem penalizados!
Mas não foi para contar sobre minhas experiências que iniciei
esse texto e sim para comentar um conto de Guimarães Rosa, do Livro Primeiras
Estórias, chamado: Soroco, sua mãe, sua filha. Guimarãres Rosa brinca com as
palavras e consegue arrancar delas novos sentidos. Soroco, por exemplo, lembra “Socorro”,
“Só + Ôco”... Ele vivia sozinho num determinado lugar, afastado, apenas com sua mãe e sua
filha. Ambas, no entanto, ficaram loucas e tiveram deixar o lugar para se
internarem no “famoso” hospício de Barbacena. De uma pancada só Soroco perdeu o
passado e o futuro. O passado representado pela mãe e o futuro pela filha. O
drama de Soroco foi acompanhado pelos vizinhos consternados com a situação.
Assim, que as loucas entraram no trem que mais parecia uma prisão, Soroco
também se endoidou e começou a cantar músicas sem nexo como cantava sua filha.
Os vizinhos no entanto, não o abandonaram e começaram a cantar junto com ele, “indo
até ao ponto que ia aquela canção...”
Grande maioria dos contos de Rosa em Primeiras Estórias,
mostram personagens desprovidos de razão, de algum lugar indefinido nesses
grotões de Minas. No Conto “As Margens da Alegria” aparece um menino que acaba
assumindo o lugar central da estória; no Conto “A Menina de Lá” aparece também
uma criança visionária que antecipa os acontecimentos e ganha fama de
milagreira. Em “A Terceira Margem do Rio” temos a figura de um pai que nem vive
e nem morre, apenas “permanece” de tal maneira que “aquilo que não havia
acontecia”. O pai se torna um espectro de gente e passa a viver no meio do rio.
Desse lugar questiona nossas certezas e, mesmo sem dizer uma única palavra,
assume o lugar central na narrativa.
O mundo encantado de Guimarães Rosa é marcado por doidos, crianças, visionários... Nesse mundo pode-se ouvir a voz dos rios dos morros e cachoeiras; O grugulejar de um peru passa a ser mais importante que um empreendimento de terraplenagem e o canto de um pássaro pode mudar o rumo das coisas. Um místico consegue falar com os ventos, as formigas e os urubus. Nesse universo mágico, os doidos questionam a nossa sanidade e os visionários as nossas certezas. Só entende a obra de Guimarães Rosa que for capaz de ouvir os recados dos morros e dos redemoinhos... Quem não tem disposição para os encantamentos jamais entenderá seus escritos!
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E quem não tem uma loucura disfarçada num corpo são. As aparências enganam muitos. Talvez os doidos somos nós correndo atrás do rabo
ResponderExcluirGuimarães Rosa tem no Senhor um admirador que sempre cita os encantos de sua escrita, e concordo que não é fácil entende-lo porque precisa estar conectado com a sensibilidade.
ResponderExcluirInteressante que é muito sutil a distância entre a razão e a insanidade, encontramos pessoas que nos surpreendam em suas atitudes, e podem ter mesmo perdido a sensatez pelo direito de libertar-se de leis sociais e serem avaliadas como loucos(as).
Hoje voltei a ouvir o vídeo onde tem uma explicação da leitura para mim difícil do grande Guimarães Rosa. Parabéns por nós brindar com a explicações das passagens do livro e de forma interessante.
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