Fuga ou peregrinação?

 

A Bíblia não é um livro para ser lido como se lê um jornal ou revista. É Palavra de Deus e foi feita para ser saboreada, ou seja, lida, meditada, absorvida como um saboroso alimento. Não deixa de ser rica, nesse sentido, a imagem que ilustra o chamado de Deus ao profeta Ezequiel. Deus entregou-lhe um livro enrolado, com sabor de mel e o pediu que comesse (Ez 3,1-3). Tenho um programa de rádio, às 07h da manhã e chama-se: “Café da manhã com a Palavra de Deus”. O nome é bem sintomático: Precisamos do cafezinho para acordar o corpo. Precisamos, igualmente, da Palavra para nos fortalecer na luta diária. Precisamos do pão material e do pão da palavra.

Saboreando um texto bíblico que narra a “fuga” do profeta Elias (1Rs 19 4-8), podemos perceber que num dado instante a fuga torna-se uma grande peregrinação ao encontro de Deus. Elias estava em maus lençóis. Após alguns atritos com o Rei Acab e a Rainha Jesabel, no reino do norte, sua cabeça foi posta a leilão. A relação de forças é muito desigual. De um lado, temos a “máquina administrativa” de um reino inteiro; de outro, um pobre cidadão que é obrigado a fugir para salvar a pele. Cenas como essas, não são raras na Bíblia. Basta lembrar a fuga do Egito com o faraó e seu exército, de um lado e um povo  fraco de outro. Mas, é bom lembrar-se que Deus escolheu os simples para confundir os sábios e os fracos para confundir os fortes (1Cor 1,27).

Na suposta fuga Elias experimenta em si mesmo os sentimentos mais contraditórios. Tem medo, fome, desânimo, tédio, culpa… Nas horas difíceis nós também costumamos passar por isso. Num dado momento ele “entregou os pontos”: Sentou-se debaixo de uma árvore (junípero) e pediu a morte!  (Aposto que isso também já aconteceu com você!). Exausto da vida acabou dormindo.  Deus, no entanto, viu o desespero do profeta e, como uma mãe amorosa, enviou seu anjo para acordá-lo trazendo pão cozido e água fresca. Quando leio essa parte da história sempre paro para refletir sobre o cuidado que Deus tem para conosco. Elias comeu e bebeu. Mas, acabou dormindo de novo. De fato, ele estava muito desanimado com tudo.  Mas Deus não dorme no ponto. O anjo tocou novamente no profeta e deu-lhe mais alimento. Agora sim. Elias comeu e, fortalecido, conseguiu caminhar quarenta dias e quarenta noites até chegar ao Horeb, o monte de Deus. No Horeb, Elias trava um diálogo amoroso com Deus, esquece do próprio medo e retoma sua missão de profeta. Muitas vezes, em minha vida, quis saber onde ficava esse Horeb… Quem de nós, não precisou dele, de vez em quando? Elias encontrou-se com Deus e criou alma nova após as dificuldades da fuga, que afinal de contas, transformou numa grande peregrinação ao encontro de Deus. Ô fuga bendita!

Imagem de sylviacopol0 por Pixabay