Dom Juan do Barreiro

 

Ele era feio e barrigudinho, uma espécie de Don Juan Tupiniquim, apesar disso, fazia sucesso com a mulherada. Teve até o caso da Helô, do Catravo, que se entupiu de medicamentos por medo de ser abandonada por ele. Dá para entender essas coisas? Além de feinho e barrigudinho, Bertinho era carequinha também. Tudo pequenininho menos sua autoestima. O homem era fera! Não raro, a mulherada se envolvia em confusão por causa dele, era uma espécie de Neruda dos trópicos. Helô ficou inimiga da Tereza Combustão por causa dele. Chegou a implicar-se também com Margarida em Flor e Dionésia do Plínio. Ninguém sabia a razão de tanto encantamento nem porque o Bertinho do Barreiro suscitava tantos desejos inconfessáveis na mulherada. Alguns diziam que o homem só tinha fama e mais nada podia oferecer. Mas, aí é que está. A fama muda muita coisa. Segundo Milan Kundera, escritor naturalizado francês, o nosso desejo ocorre por imitação. Sendo assim, a gente só deseja aquilo que o outro desejou ou vai desejar. Talvez, seja isso mesmo, que ocorra com os homens e as mulheres:

“As mulheres não procuram homens bonitos, procuram homens que teve mulheres bonitas”(1).

Isso não vale apenas para as mulheres. Vale também para os homens:  Um trecho do romance: “A imortalidade” servirá bem para ilustrar isso:  

“O Professor Avenarius está jantando com Milan Kundera (que é personagem do romance). Avenarius pede a seu comensal que imagine que pode escolher entre passar a noite com uma atriz de fama mundial, desde que ninguém saiba, e que possa caminhar pelas ruas de sua cidade com a mesma mulher nos braços. Desde que nunca possa dormir com ela. Avenarius conclui que todos diriam preferir a noite de amor à caminhada em público. O que as pessoas realmente querem, porém, é ser vistas como celebridades”. Por isso, a maioria optaria pelo passeio na praça apesar de afirmar outra coisa. A volúpia contaria menos que a admiração despertada nos outros. Andando com uma mulher bonita as outras mulheres, por mimetismo também o cobiçariam...

Mas, deixemos Milan Kundera com suas teorias sobre o desejo de lado e voltemos ao Bertinho do Barreiro, uma figura mais próxima de nós. Para falar a verdade, nem tudo foi sucesso na vida dele. Teve um caso trágico, ocorrido na véspera do ano novo quando ele quase foi surpreendido na cama, com Helô do Catravo. Ouvindo os passos do pai dela se aproximando saiu em disparada pela janela e entrando no primeiro buraco que encontrou. Sem perceber entrara no forno de assar biscoitos e teve que permanecer ali um bom tempo até sentir que o clima se acalmara. No outro dia ninguém entendia porque o moço se coçava tanto. Alguns até cogitaram ser sarna ou um novo tipo de doença . Bertinho nada falou sobre o assunto.  Por acaso ouviu dizer que a “sogra” colocara uma galinha para chocar naquele forno. Por causa de sua noite de amor clandestina teve que suportar, por muitos dias, as consequências dos piolhos. Com coceira ou sem coceira sua fama de Don Juan continuou por muito tempo.

Imagem de Ryan McGuire por Pixabay

1 - As duas citações foram tiradas de: O livro da imaginação e do desejo: Lendo Milan Kundera,  de Trevor Cribben Merrill. São Paulo, E. Realizações 2016 - pp 26.