Abrindo o baú

  Estou recôndito no oculto das praças e dos púlpitos enquanto busco, na memória, pelos meus encantos, fantasmas e abismos.   Nesse cantinho...

 


Estou recôndito no oculto das praças e dos púlpitos enquanto busco, na memória, pelos meus encantos, fantasmas e abismos.  Nesse cantinho sagrado somente eu posso me adentrar. Nele busco pela origem de meus sonhos, alguns realizados outros fossilizados. Meu pátio interno é decorado com quaresmeiras em flor, madrugadas frias e alecrins salpicando as estradas de terra com suas minúsculas florzinhas brancas. Sou madrugador de origem e digo, com orgulho, que o sol nunca me encontrou na cama. Na barra do dia sou recriado para a vida.

No porão de minha memória habita lobisomens e mulas sem cabeças. Sou formado de devoções e assombrações. No meu sangue moram folias de reis, congados, terços e ladainhas. Todos esses matizes estão gravados na paleta de minha aquarela.

Carrego uma frustração ontológica: Nunca aprendi a assoviar! Sou sabiá mudo que canta, apenas, com o pensamento para além das laranjeiras.

Vejo a beleza onde ela se esconde, como virgem envergonhada, numa única gota d´água sobre a folha do inhame; na fosforescência de um vaga-lume ou no canto das cigarras. As cigarras são múltiplas e formam diversos corais que, com variados cantos, enfeitam as primaveras. Sou especialista em ver os seus cantos e ouvir os vaga-lumes e as borboletas. Já conversei, até mesmo, com um pisca-pisca, uma espécie de vaga-lume que não deu certo, mas, se profissionalizou em iluminar os corais dos sapos dos brejões. Ainda converso com a lua, as estrelas e até mesmo com as abelhas, enquanto limpam o pólen de um assa-peixe sem preocupações com relógio.

Quem sou eu?

Um misto de cores, sabores, lembranças e esperanças. Sou um encantado que voa para além de si mesmo e teima em cultivar grande paixão pela vida mesmo nas coisinhas pequenas.  

Foto: Arquivo pessoal.


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  1. Isso é um desnudamento da alma! Não ousaria dizer que é o seu texto mais lindo, pois não conheço todos eles... Mas que mergulho profundo! Que exposição mais bela! Alma de poeta! Obrigada! Bebeu na mesma fonte de Manoel de Barros.

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  2. Que maravilha de texto para refletirmos a essência da nossa existência, num fim do dia corrido de trabalho e afazeres domésticos. Obrigada.

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  3. Coisa maravilhosa essa leitura. Isso é que chamo de antologia poética.

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  4. Belíssimo!👏👏👏🌿🌱☘️❤️

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  5. Após a leitura concluo: Um ser humano especial, com muita sensibilidade, e que expressa de várias formas seus pensamentos e emoções, e nos presenteia compartilhando conosco.
    Aproveito este dia 30 de setembro, que é o dia de seu aniversário, para enviar meus melhores votos, ou seja, os 3 S ;
    Saúde Sabedoria e Sucesso.

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  6. As vezes que eu vou lá na Mina do Padre Libério, principalmente nessa época do ano. Ouço o canto do sabiá, que lá parece mais belo que em qualquer outro lugar. Mesmo em dias de muita movimentação, ele consegue chegar aos meus ouvidos com uma clareza absurda. É algo que até arrepia alma.

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