Se eu morresse essa noite...

 

Se eu morresse essa noite, só amanhã dariam pela minha ausência. Alguns, reclamariam porque faltei aos compromissos do dia sem avisar e me acusariam de irresponsável. Outros, buscariam contato comigo num telefone mudo para sempre. Se eu morresse essa noite, quem choraria por mim? Quem falaria de minhas virtudes (todo morto é virtuoso) e quem se lembraria dos meus defeitos?

De uma coisa estou certo: teria um velório rápido já que, parte dele, passei sozinho até mesmo sem os meus pensamentos. É provável que alguns comentem: de quem é o corpo do homem que apareceu morto?  Haverá marcas em seu corpo? Os mais piedosos dirão: Coitado, morreu dormindo! Não deve ser nada mal dormir aqui e acordar do lado de lá...

Se eu morresse essa noite, talvez, alguém me enviaria uma coroa de flores com cheiro de formol e uma frase, absolutamente, original: “eterna saudades!” A palavra “eterna” nesse caso, tem prazo de validade durando menos do que as flores “naturais”. Os piedosos novamente entrariam em ação e me vestiriam com túnica, estola e me botariam um terço na mão... Assim, empacotado, já chegaria com paramentos e tudo, do outro lado! 

Se eu morresse essa noite alguns se estranhariam por eu não falar, ao vivo, no rádio. Na verdade, ainda não aconteceu de um morto falar ao vivo...

Se eu morresse essa noite qual seria a primeira funerária a oferecer-me os “caríssimos” préstimos? Para onde levariam o meu corpo? Quem faria muito esforço para chorar diante das câmeras, supondo a presença delas em meu velório?

Deixemos de trê-lelê Se eu morresse essa noite o mundo continuaria girando como se eu nunca tivesse existido e que o leitor não se engane, pois, com ele, também não seria muito diferente. Mas, como ainda estou aqui, deixemos o luto para amanhã e, por enquanto, viva a vida!

Imagem: Criada a partir da IA.