Ano Novo

  Os festejos do ano novo costumam ser carregados de rituais. Alguns se vestem de branco, amarelo ou vermelho conforme as previsões do guru ...

 


Os festejos do ano novo costumam ser carregados de rituais. Alguns se vestem de branco, amarelo ou vermelho conforme as previsões do guru que apareceu na TV no programa vespertino. Esses gurus são os novos áugures (sacerdote da Roma antiga que previa o futuro analisando o voo e o canto dos pássaros), que sabem tudo e falam sobre tudo. Costumam dizer previsões "certeiras" do tipo: Esse ano uma pessoa muito famosa irá morrer! Caso ocorra um acidente, com qualquer famoso, em qualquer parte do mundo, então, a previsão se concretizou. Cresci num ambiente cheio de áugures: Coruja cantou na porta da sala, alguém vai morrer... galinha cantou fora de hora, alguém vai adoecer... Beija-flor entrou dentro de casa, vai chegar visita... Vejam como minha mente é fértil desde a infância! Ô trem bão, sô! Qualquer dia vou ser chamado para fazer previsões, ao vivo, na TV. 

Cansados da mesmice a gente tem necessidade de fatiar o tempo e elevar o status de algumas fatias e, assim, caminhamos pela vida afora, na espera da próxima fatia especial: Ano Novo, carnaval, páscoa, 1º de abril, São Brás, Independência de qualquer coisa, etc.  Isso nos ajuda a suportar o peso de uma rotina sem graça e, na maioria das vezes, com gosto de soro caseiro.

Em nossas vidas também precisamos de rituais. Os rituais dividem os períodos de tempo. Então, temos: nascimentos, casamentos, funerais... Existem rituais que são ardentes por natureza. Aqui refiro-me a um deles, dos povos amazônicos, “Sateré-Mawé” chamado “ritual da tucandeira”. Durante o ritual o jovem veste, nas mãos, uma luva cheia de formigas, da família das “tucandeiras”. Elas são presas às luvas com os ferrões para o lado interno de tal maneira que o mocinho para provar que já é adulto tem que suportar centenas de ferroadas. Tai uma boa sugestão para quem está cansado da rotina...

Os rituais conferem àqueles que os celebram uma ilusão de proteção. Afinal, não queremos ser engolidos pelo caos e um novo ano pode ser caótico pra muita gente. Então, nos precavemos com roupas novas, perfumes rezas e colares. Tive uma vizinha que dizia que no ano novo devia se comer carne de frango. Assim, comeria frango o ano todo. Essa sim, tinha ancestral de raposa. Mas, já ouvi dizer que, alguns, jamais comem galinha porque ela cisca para trás e, nesse caso, a pessoa iria ciscar nos próximos 365 dias. Pensando nisso, seria melhor trocar a galinha por um porco pois, esse fuça e o seu focinho fica na frente do corpo tipo: “abre alas que eu quero passar...”

Algumas religiões se vestem de branco e procuram pular sete ondinhas no mar. O problema começa quando o camarada erra a conta. Isso pode levar ao atraso. Então, nesse caso, é melhor nem arriscar. Outros preferem usar o amarelo porque o associa ao ouro. Quem não alimenta esse sonho dourado num ano que começa?

Em alguns lugares a turma exagera pois, colocam um tronco de bananeira no caixão e sai com ele dançando pelas ruas dizendo que vão enterrar o velho. Isso acontecia, não sei se ainda acontece, em Araçuai (1). O enterro do velho acontece à meia-noite ao som de muita barulheira com fogos e tambores. Em Angra dos Reis o ano novo é saudado com uma procissão marítima que reúne centenas de barcos. Hoje, todas as atenções se voltam para a orla de Copacabana no Rio, onde se queimam centenas de fogos de artifícios enquanto a Globo exibe um Show de Roberto Carlos, que de tão velho, espanta até o ano novo. Entre uma coisa e outra estou quase preferindo o ritual da tucandeira... Confesso que no Ano Novo fico meio chué, pois, nada disso faz muito sentido. Nesse tempo, adoto para mim,  a poesia "Felicidade",  de Vicente de Carvalho: 


Só a leve esperança, em toda a vida,

Disfarça a pena de viver, mais nada;

Nem é mais a existência, resumida,

Que uma grande esperança malograda.


O eterno sonho da alma desterrada

Sonho que a traz ansiosa e embevecida,

É uma hora feliz, sempre adiada

E que não chega nunca em toda a vida.


Essa felicidade que supomos,

Árvore milagrosa que sonhamos

Toda arreada de dourados pomos,


Existe, sim: mas nós não a alcançamos

Porque está sempre apenas onde a pomos

E nunca a pomos onde nós estamos.

Hoje, vendo tanta gente buscando o litoral para passar o revellion  também tive vontade de fazê-lo. Como moro longe do litoral pensei em jogar uma flor no Paraopeba, mas, acabei desistindo.  Seria ofensa demais à  Yemanjá, associá-la a esse rio por motivos óbvios. 

Para não terminar o texto de qualquer jeito: Feliz Ano Novo! Pode haver clichê maior do que este? 

1-     Dicionário da Religiosidade Popular, de Frei Chico. Curitiba, Nossa Cultura, 2013.

Imagem de PublicDomainPictures por Pixabay

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  1. Em meio tantos rituais, ficarei com o que mais aprecio "ir a missa", fazer minha parte para que Deus me abençoe e proteja em todos os anos de manhã vida.

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  2. Pois é. Como existem tantos rituais, prefiro sem. O ano velho é passado.....viverei o novo como presente na confiança somente em DEUS!
    Só ELE é nosso norte.
    Mas, parabenizo-o pela crônica, desejando-o um FELIZ ANO NOVO e ....inté!

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  3. Eu não tenho problema com rituais, superstições, etc... Me preocupo com a rapidez que um ano passa. A rotina humana é tão frenética, que a distância entre o amanhecer e o entardecer nem é percorrida, e ultrapassada.

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  4. Inicio retificando o cliché. "feliz natal e prospero ano novo." Se passou o natal é então próspero ano novo. Kkkkk.
    Padre muito bom ler uma crônica como esta, a gente reconhece as bobagens que criam para dar uma alavancada na comemoração de um novo ano. A criação humana fatiou o tempo, mas fica melhor assim, porque nos ajuda a situarmos melhor.
    Fico admirada pelo respeito quem tem a outras crenças e cultura, uma amostra de visão ampla, como esta postagens do vídeo que é desprovida de preconceito, parabéns.

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  5. Estimado autor e fazedor do Blog, manifesto aqui meu contentamento por tão sábio entendimento e eminentemente sábio conhecimento. Fez-me refletir, me fez rir, pois também contém algo de pilherioso. No fundo, encerra uma das verdades do nosso pós moderno tempo ou século. Acho que pode incluir, no caso, a IA (inteligência artificial). Está me preocupa: aonde vamos chegar e até onde vamos chegar?! Refiro-me aos princípios éticos, princípios morais que estão em risco. Se lhe interessar, em outra oportunidade, dê-me retorno com sua sempre sábia e oportuna opinião. Abraço amigo, com votos de Bom Ano Novo, cheio das graças de Deus.

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  6. Verdades sejam ditas, mas só aceita quem quer. Virar o ano dá uma sensação de novo em tudo: hábitos, crenças, pensamentos. Acontece com a maioria que no final é só promessa. Se não perdemos a fé e o humor já está de bom tamanho.

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  7. Houve um ano que resolvi pensar que o ano novo era apenas uma mudança no calendário. Então não fiz planos, não agradeci tudo que havia passado, não comemorei. E o ano foi meio morto. Desta forma descobri que precisamos das datas para viver a vida de forma mais intensa. Sem elas corremos o risco de esquecer o que precisa ser lembrado.

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  8. É sempre assim as tradições de rituais, simpatia e até como referência comercial ,com o objetivo das pessoas gastar, e com excesso, bebem muito, comem muito,é desviando o sentido de cada data,o ser humano é muito ligado a símbolo. O ano novo tem o objetivo de mudança, se vc quer mesmo mudar tenha foco, faça a sua parte... Feliz ano novo a todos!

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  9. Boa noite amei o texto mas tenho uma convicção que qdo um pássaro alma de gato ou um urutau canta conforme a hora é um mau sinal ,mas deixando isto pra lá feliz ANO NOVO À TODOS QUE DEUS OS ABENÇOE....

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  10. A rotina pode ser cansativa ou criativa. Os rituais ajudam a dar sentido e, assim, torna a vida menos amarga. Participar da missa é um ritual importante; lucrar indulgência também: entramos o ano novo com o corpo e a alma purificados.

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  11. Acho que vou enfrentar as tucandeira também, porquê a meio tanto caos que estamos vivendo a dor que irei sentir vai ser melhor....

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