Origem do Congado
Foto: Pe Geraldo Gabriel Seria muita pretensão de minha parte, resumir, num pequeno texto, toda a complexidade da Festa do Congado ou R...
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Foto: Pe Geraldo Gabriel |
A Festa do Congado (Reinado, ou
tamborzeiros, no Norte de Minas), é uma criação brasileira, cujas raízes estão
plantadas na África. Mas, falar de África não é simples. Hoje, são mais de
cinquenta países! Na época do “descobrimento” do Brasil a situação era um pouco
diferente. Os diversos povos africanos
se agrupavam em grandes “famílias”. Assim, falamos de “Povo Banto”, Povo Sudanês,
etc. O que chamamos de “Bantos”, na
verdade, era um grande grupo proveniente de um mesmo tronco linguístico e
composto por mais de 500 povos que habitavam na região do Congo, Angola adjacências. As línguas Quicongo, Umbundo e
Quimbundo, são derivações desse tronco linguístico. (1)
Ao serem trazidos como escravos
para o Brasil esses grupos foram misturados. Isso dificultaria possíveis rebeliões,
pois os costumes diferentes era um complicador para que pudessem se organizar. Já
na colônia, esses negros “misturados” acabaram formando uma nova “família”.
Tornaram-se “malungos”(irmãos), uns dos outros. Na África esses grupos eram
distintos e cada qual valorizava seus ancestrais e de acordo com a cultura,
recebida e transmitida, resolviam seus conflitos. Outro mito que deve ser desconstruído
é que esses povos eram atrasados e rudes. Esse argumento muitas vezes,
aplicados também aos indígenas, servia e, ainda serve, para justificar a “lógica” da escravidão.
A primeira Irmandade do Rosário
dos homens brancos que se tem notícia foi fundada na Alemanha em 1409(2). Essas
irmandades acabaram chegando a Lisboa. Em 14 de julho de 1496, quatro anos
antes da chegada dos portugueses ao Brasil, temos noticias da criação de uma
“Confraria de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos”, em Lisboa. Essa
informação encontra-se na autorização de um alvará para que a referida Confraria
pudesse recolher esmolas nas caravelas que iam à Mina e aos Rios da Guiné. Outras “irmandades do Rosário” são
registradas também no Congo, Moçambique e Angola no Séc XVII. Foi, exatamente, dessa região (região dos
povos bantos) que vieram, para o Brasil, os primeiros escravos. Daí se pode
concluir que parte dos bantos, já era católica, mesmo antes de aportar na nova
terra.
Antes de 1552 já existia no
Brasil uma irmandade para os escravos oriundos da Guiné, na costa ocidental
africana. Provavelmente, alguns escravos
que vieram para o Brasil já pertenciam a confrarias ou irmandades do rosário na
África.
E como foi que a Virgem do
Rosário foi adotada como mãe desse povo no Brasil? Bom, aqui há um mito de origem que precisa
ser explicado. Esse mito brasileiro está enraizado na memória de todos os
congadeiros com pequenas variações.
Dizem que, certo dia Nossa
Senhora apareceu no mar. Os brancos tentaram tirá-la de lá e levá-la para suas
casas. Mas, o esforço foi em vão. A santa permanecia imóvel. O pessoal do
congado também tentou e não conseguiu muito sucesso. O pessoal do Candombe e do
Moçambique teve sucesso. Nossa Senhora os acompanhou, aos toques dos tambores, e foi morar com eles na Senzala. Como mãe dos
pobres preferiu habitar com eles e não na Casa Grande. Por isso, ainda hoje, durante
a festa do Congado o grupo que faz o cortejo da imagem de Nossa Senhora é o
grupo de Moçambiqueiros. Na devoção para com Nossa Senhora do Rosário, os
diversos grupos (Congado, Moçambique, Vilões, Marinheiros, Catupés, Candombe...)
se unem apesar de suas diferenças.
Engana-se quem afirma que o
Rosário de Nossa Senhora assemelha-se, às contas de Ifá, um Orixá do povo
Yorubá. Isso não faz sentido, pois o povo Banto não conhecia os Orixás da mesma
maneira como o pessoal da Região do atual Benim. O povo dessa região veio para
o Brasil no período final da escravidão e trouxe consigo os Orixás do
Candomblé. Mas, essa é outra história. O Congado é uma festa católica, de
origem popular que tem raízes na África, mas, assumiu características próprias
no Brasil, como por exemplo, a influência indígena e dos povos do mar. Em nossa
região temos grupos de penachos e marinheiros. Isso ilustra o que dizemos.
Que alguns participantes do
Congado possam frequentar outros cultos é compreensível por questões
históricas, pois muitas vezes, a Igreja Católica fechou suas portas aos negros.
Um dos cantos mais tristes dos congadeiros, o “Lamento Negro”, denuncia essa
discriminação que perdurou muito tempo e, infelizmente, continua em alguns
lugares. Esse canto é entoado quando a porta da Igreja está fechada aos negros e, eles do lado de fora, pedem
permissão ao padre para entrarem na Igreja(3):
Vou contar-lhe uma história / Peço, preste atenção / É uma história muito
antiga / Do tempo da escravidão.
No dia 13 de Maio / Assembléia trabaiô / Nego veio era
cativo / E a Princesa liberto / Nego veio era cativo / E agora virou Sinhô.
No tempo da escravidão / Era branco que mandava / Quando
branco ia pra missa / Era nego que levava./ Quando branco ia pra missa / Era
nego que levava / Branco entrava pra Igreja /
Nego cá fora ficava./ Branco entrava pra Igreja / Nego cá
fora ficava / E se nego reclamasse /
De chiquirá ele apanhava. / E se nego reclamasse/ De
chiquirá(4) ele apanhava / Nego só ia
rezar
Quando na senzala chegava.
Reza-se pelas
almas dos negros escravos falecidos:
Que dó, que dó, / Jesus Cristo está no céu / Amparando
estas almas /Desses nego sofredô.
Pedido feito ao
padre para que seja aberta a porta para os negros entrarem na Igreja:
Ô sinhô abra a porta / Que os nego quer entrar / Para
ouvir a Santa Missa / Que o Sinhô vai celebrar.
Louvor a Nossa
Senhora do Rosário:
Virgem do Rosário / Sois rosa mimosa / Entre as outras
flores / Sois mais formosa. / Maria concebe o verbo encarnado / Que veio ao
mundo / Remir os pecados.
O lamento é entoado sempre pelo filho mais velho de Candombe ou Moçambique, segundo informações de Walace de Souza, Capitão Mor, da Irmandade,Os Nonatos, de Pará de Minas.
O lamento é entoado sempre pelo filho mais velho de Candombe ou Moçambique, segundo informações de Walace de Souza, Capitão Mor, da Irmandade,Os Nonatos, de Pará de Minas.
Em uma “Carta Pastoral” datada de
1927, Dom Cabral, bispo de Belo Horizonte faz a seguinte declaração sobre o
Congado (ou Reinado):
“... Lamentamos que não tenha
ainda desaparecido totalmente os chamados Reinados ou Congados que põem quase
sempre uma nota humilhante nas festas religiosas...” (Carta Pastoral do
Episcopado da Província Eclesiástica de Belo Horizonte, “Determinações das
Conferências Episcopais de 1927”, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1927...)”
Citação tirada do Portal do Iphan(4):
A declaração oficial da Igreja,
na época, mostra o quanto os congadeiros sofreram para defender sua fé e sua
tradição em Minas Gerais. O esforço de romanização da fé, certamente contribui
para que muitas Capelas dedicadas a Nossa Senhora do Rosário fossem demolidas. Essa negação da cultura explica o fato de
muitos terem buscado outros espaços religiosos para manifestarem sua fé.
Felizmente essa realidade mudou
com o Concílio Vaticano II. O Concílio reconheceu a importância de se valorizar
as diversas formas de celebrar a fé. Em outros
documentos a Igreja reconheceu a importância da inculturação da mensagem do
Evangelho. Na Conferência de Santo Domingo (1992) ela foi defendida como
prioridade pastoral. Isso nos mostra que não existe uma única maneira de
celebrar o mistério. Celebrar a missa com os Congadeiros não é incorporar na
celebração uma “criatividade selvagem”, mas, valorizar as expressões de um povo
que, quase foi extinto sob as cordas do chicote.
Faz algum tempo acompanho, com
amor, os congadeiros de Pará de Minas e conheço um pouco a experiência
religiosa deles. Fico, cada vez mais admirado, ao ver o amor que dedicam a
Virgem Maria e aos Santos Negros. Quase cem por cento das músicas que entoam
falam de Nossa Senhora. O restante fala do tempo da escravidão, da mineração,
da vida no mar e do trabalho nas roças. Com esse texto quero render a eles
minha homenagem e minha admiração. Que eles sejam abençoados pela Mãe de Jesus
e pelas almas de tantos escravos que derramaram
o próprio sangue tingindo de vermelho nossa bandeira...
Fontes consultadas para esse texto:
1- LOPES, Nei. Novo Dicionário Banto do Brasil. Rio
de Janeiro, Pallas, 2003 – PP 18
2- POEL, Francisco Van Der. Com Deus me Deito, Com
Deus me levanto. São Paulo, Paullus, 2018 – PP 344
4-
Chiqueirá: Espécie de chicote, composto de um
cacete, e que tem numa das extremidades uma tira de coiro, torcida ou chata.
5- http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Os%20negros%20do%20ros%C3%A1rio.pdf – em 22/10/2019
Leia também: Congado Não é Candomblé em : http://ggpadre.blogspot.com/2017/05/congado-nao-e-candomble.html
Leia também: Congado Não é Candomblé em : http://ggpadre.blogspot.com/2017/05/congado-nao-e-candomble.html
Que bom conhecer mais sobre a história do povo de Deus, que caminha conosco nesta estrada que muita das vezes encontramos pedras e espinhos, mas não desistimos.Parabens ao padre Geraldo Gabriel.
ResponderExcluirSaudades!
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