Chuva na madrugada

Noite preta e céu escuro. O que pairava lá fora era o medo do fim do mundo. Da cama, podia se ouvir o balanço da goiabeira, crescida ao...


Noite preta e céu escuro. O que pairava lá fora era o medo do fim do mundo. Da cama, podia se ouvir o balanço da goiabeira, crescida ao lado da parede do quarto. O vento forte acabou derrubando uma galinha gorda do pé de amoras. Eu e meu irmão disputávamos o espaço na cama de mamãe. Zezé era implicante por natureza. Fazia xixi e trocava de lugar comigo. Além de acordar na umidade era sempre eu quem levava a fama pela proeza.

Naquela noite a coisa não tava para brincadeiras. Nem assombração teria coragem de enfrentar a tempestade ameaçada. A claridade dos raios varava o telhado, como flash de retrato, evidenciando a pobreza do nosso quarto.  A chuva caiu. Não era tão forte como parecia. Mamãe levantou-se e esparramou bacias e latas pela casa toda. A “goterama” começou. Parecia uma orquestra. Goteira grossa e goteira fina davam os tons e os raios fotografavam tudo. O galo parou de cantar. Com certeza, rezava para a chuva passar depressa. Na várzea, a enchente se preparava para encher de assuntos a manhã seguinte.

Uma goteira achou por bem, pingar sobre nossa cama. Nossa cama, sim senhor! A cama era coletiva. Mamãe estendeu um saco de adubos, vazio, sobre o lençol. O saco era de “matéria plástica”.  Mamãe sempre tinha solução pra tudo…

Naquela noite, como em tantas outras, dormi feito um justo. Não tinha consciência alguma do que fosse pobreza. Uma orquestra embalou os meus sonhos povoando os mesmos de magia e beleza.
Tive na vida, o privilégio de ser pobre. Não tinha televisão computador, celular ou vídeo game. Nunca  morri por causa disso. Fui engenheiro para fazer meus brinquedos e delegado para apartar brigas das galinhas. Como engenheiro mirim, acabei criando um brinquedo único, certa ocasião.

Um dos meus sonhos era ter um patinete. Mas, desisti desse sonho. Conseguir os rolamentos era algo impossível. Então inventei algo melhor. Furei um coro de boi e amarrei nele uma corda. Ele foi meu primeiro carro e podia transportar até quatro crianças, enquanto o patinete só transportava uma. Conceição, minha irmã, mais forte que eu, puxava a corda sobre o terreiro com a lotação completa. Sentir cócegas era inevitável. De vez, em quando um passageiro ficava para trás. Mas, acidente mesmo, nunca aconteceu.

E assim cresci, graças a Deus! Quando nada exigimos da vida ela costuma nos dar de tudo.

Related

Crônicas 1624507002159867154
Postagem mais recente Revista de Consultório
Postagem mais antiga Burrinho amarrado

Postar um comentário

Deixe aqui seu comentário

emo-but-icon
:noprob:
:smile:
:shy:
:trope:
:sneered:
:happy:
:escort:
:rapt:
:love:
:heart:
:angry:
:hate:
:sad:
:sigh:
:disappointed:
:cry:
:fear:
:surprise:
:unbelieve:
:shit:
:like:
:dislike:
:clap:
:cuff:
:fist:
:ok:
:file:
:link:
:place:
:contact:

Vídeos

Mais lidos

Mais lidos

Parceiras


Facebook

item