Jesus e os mestres da lei

 

Tive a sorte de ter nascido na roça e,  por isso, aprendi muita coisa com a natureza. Acho que o leitor não duvida que ela, na verdade, é uma grande professora.  Em certos meses do ano dava gosto apreciar o cair da noite. Imitando o próprio céu, a terra cobria-se de pequenos vaga-lumes. Os vaga-lumes são besouros , exclusivos da América tropical, cujas espécies são as únicas capazes de emitir luminescência, produzida por vesículas especiais situadas nos lados do tórax. Atrás deles, a gente corria até se cansar. A captura dos bichinhos era uma verdadeira festa e a garrafa de vidro transparente uma autêntica prisão iluminada. Sem pensar muito, a gente rolava a garrafa no terreiro e tinha a sensação de possuir uma bola de luz. Enquanto não alcançávamos as estrelas, nos  contentávamos com os insetos… Após as brincadeiras, mamãe devolvia ao espaço escuro os bichinhos luminosos.

Acho que a  relação das crianças com os vaga-lumes pode ser uma metáfora da condição humana. São Paulo, disse que somos irmãos das estrelas e cidadãos do infinito… Talvez, por isso, a gente não consegue ficar indiferente  ao brilho, ainda que seja  um de "vago-lume". As estrelas nos convidam  às  alturas, e o infinito é a medida de nossos sonhos…pensando bem,  o brilho não é privilégio dos vaga-lumes, nem prerrogativa das estrelas. Em nosso meio existem pessoas que são portadoras de grande luminosidade. Basta ter sensibilidade para perceber que, mesmo ao nosso lado, o bem fala mais alto que o mal. O problema é que o mal aparece mais. Assim, temos a sensação que nosso mundo está perdido. Mas não creio ser bem assim. A maioria das pessoas trabalha honestamente e sofre para criar os filhos sem pisar em ninguém. Infelizmente, as pessoas iluminadas costumam sofrer também pela própria luz que carregam.

Conheço pessoas que brilham demais e, exatamente, por isso, incomodam muito. O brilho também incomoda. O invejoso não suporta conviver com uma pessoa brilhante. Ele acha que no universo inteiro, uma única estrela deve brilhar, ou seja, a sua. Conta uma lenda que certa vez uma serpente começou a perseguir um pobre vaga-lume. Este fugia rápido, com medo da feroz predadora, e a serpente nem pensava em desistir. Fugiu um dia e ela não desistia, dois dias e nada… No terceiro dia, já sem forças, o vaga-lume parou e disse à cobra: Posso te fazer três perguntas ? Não costumo abrir esse precedente para ninguém, mas já que vou te devorar mesmo, pode perguntar, disse a cobra. Pertenço à sua cadeia alimentar ? Não. Eu já te fiz algum mal ? Não. Então, por que você quer acabar comigo ? Porque eu não suporto ver você brilhar, disse finalmente a serpente.

Estou longe de querer comparar meus colegas de infância às serpentes. Mas na vida adulta as coisas acontecem de forma bem diferente. Caso você não concorde comigo, então pense: Quantas vezes alguém tentou apagar o seu brilho apenas por inveja? Pode ser que a coisa tenha acontecido de forma inversa. Nesse caso, você é que assumiu o papel da serpente. A pessoa invejosa incomoda mais com o sucesso alheio  que com o próprio fracasso. Querer subir na vida não é pecado, desde que o outro não seja usado como escada. O sol nasceu para todos e ninguém é dono da lua. O brilho do outro não deve atiçar minha inveja, mas servir de estímulo.  Que graça teria o céu, se nele brilhasse apenas uma estrela? O uni-verso carrega tanta beleza exatamente pelos di-versos brilhos que o compõe. Mas, vamos fazer uma aplicação de tudo o que disse acima ao texto bíblico de São Marcos (Mc 3, 22-30). Nesse texto Marcos nos diz que os mestres da lei afirmavam ser Jesus o chefe dos diabos e que só por isso, conseguia expulsar os demônios.  Agindo com essa maledicência eles se assemelhavam à serpente de nossa história. O brilho de Jesus os incomodavam e para desqualificá-lo procuravam difamá-lo. A difamação de uma pessoa ou mesmo de uma instituição é coisa muito séria. Numa época de "fake news" é bom que se diga isso. Não se pode destruir impunemente a imagem ou a reputação de ninguém de forma leviana. Mas, infelizmente isso é bastante comum em nossos dias. Com a popularização do uso das redes sociais essa questão ficou ainda mais séria. Sei de pessoas que nunca mais se reergueram após serem vítimas de calúnias espalhadas nas  redes sociais. "A boca fala daquilo que o coração está cheio". Algumas pessoas despejam todo o seu esgoto na internet sem pensar nas consequências posteriores para si mesmas e para os outros. Vale a pena refletir sobre isso! 

Imagem de Sarah Richter por Pixabay