Cobras

Sempre tive medo de cobras. Só de vê-las pela televisão perco a tranqüilidade. Em minha infância meu pai sempre contava-me estória d...


Sempre tive medo de cobras. Só de vê-las pela televisão perco a tranqüilidade. Em minha infância meu pai sempre contava-me estória de bichos, inclusive de cobras. Disse-me, certa vez, que num mês de muito frio um lavrador encontrou em seu caminho, uma cobra congelada de frio. Diferente de nós, a cobra parece não ter uma lareira dentro de si. Isso fez com que ela ficasse paralisada em  épocas frias.  O homem, tocado de compaixão, apanhou a cobra enrolando-a com pedaços de panos e colocou-a ao lado do fogão de lenha para se aquecer. Regressando à tarde do trabalho, já esquecido da cobra, foi picado por ela no ato de acender o fogo. A estória pode ter dois desfechos: no primeiro deles, morre o lavrador e a cobra desaparece rapidamente. Para aliviar meu senso de justiça, meu pai dizia que o homem não morreu. Quem morreu foi a cobra, quando ao fugir pelo fogão se queimou nas brasas que estavam sob as cinzas.

Penso que muitas pessoas se parecem com as cobras. Parecem ter o sangue frio demais. Vejo imagens de crianças morrendo  com balas perdidas e fico anestesiado no sofá. Meu Deus, como é possível tanta monstruosidade? Como almoçar em paz, sabendo que pessoas humanas ( ser humano às vezes não me parece grande coisa!) é que estão por trás disso?  O ser humano parece carregar muito veneno dentro de si.  Vejo cobras de dois pés tirando a vida de quem lhes pouparam as suas. Falo da ingratidão. Não existe nada pior que ser vítima dela.  Quando ela parte daqueles que estão mais próximos de nós torna-se  mais dolorosa. Para uma mãe, não existe nada mais cruel que a ingratidão do próprio filho. Apesar da crueldade as cenas de ingratidão costumam ser mais freqüentes que imaginamos. As pessoas ingratas talvez mereçam o segundo final da estória: morrer no próprio veneno.

Tenho um irmão, que certa  vez foi picado por cobra. Apesar de tão forte, quase morreu, vitimado pelo veneno. Nessa época, desejei matar todas as cobras do mundo. Na "cruzada contra o mal"(esta expressão agora está na moda),  contava com a idéia bíblica que atribuía à cobra, a responsabilidade pela entrada do mal em nosso meio. Meu desejo durou pouco. Tive medo que porrete descesse em minha própria cabeça! Ainda que eu não queira, também carrego veneno. Nunca declarei isso, mas São Paulo me autorizou quando disse que fazia o mal mesmo querendo fazer o bem.

Com esse texto não quero fazer uma campanha pela extinção das cobras. Sei que elas são necessárias à cadeia ecológica. Além do mais, não quero transferir para o réptil uma responsabilidade tão grande de ser portador do mal. A campanha que está lançada visa a extinção da maldade. Para o sucesso da mesma comecemos pela destruição de seus ninhos. Não se assuste se você constatar que um ninho se aloja bem no seu coração.

Imagem de Pfeilgiftfeder por Pixabay 

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