Fuga para o Egito

Ao refletir sobre o trecho bíblico da fuga para o Egito (Mt 2, 13-18), sempre me lembro da música de Luiz Gonzaga, “Triste Partida”.  Tento reconstituir as cenas de ambas as fugas: Fuga da perseguição e fuga da seca. Nos dois casos foge-se para não morrer. Não quero minimizar o fato bíblico, mas não posso negar que a música citada sempre me comove. Comove-me, sobretudo, o trecho em que aparecem as reclamações das crianças lamentando o fato de ter deixado para trás, o gato, o cachorro, o brinquedo, o pé de fulô... 

...De pena e saudade / Papai sei que morro / Meu pobre cachorro / Quem dá de comer? / Meu Deus, meu Deus / Já outro pergunta / Mãezinha, e meu gato? / Com fome, sem trato / Mimi vai morrer  (...) E a linda pequena / Tremendo de medo / "Mamãe, meus brinquedo / Meu pé de fulô?"/ Meu Deus, meu Deus / Meu pé de roseira / Coitado, ele seca / E minha boneca / Também lá ficou ...

O drama de ter que deixar a terra natal, de maneira forçada, é sempre muito cruel. Apesar disso, tal situação sempre fez parte da história da humanidade. O povo de Israel que o diga! De forma amarga experimentaram o exílio no Egito e Babilônia... A experiência do Egito deixou marcas profundas na história do povo. Na Babilônia não foi diferente. Isso pode ser constatado na leitura do Salmo 137:

...Junto aos rios da Babilônia, nos sentamos e choramos, com saudades de Sião. Nos salgueiros de suas margens penduramos nossas harpas. Lá, os que nos exilaram pediam canções, nossos raptores queriam diversão: “– Cantem para nós um canto de Sião!”.

Como cantar um canto do Senhor em terra estrangeira? Se eu me esquecer de você, Jerusalém, que seque a minha mão direita.  Que a minha língua se cole ao paladar... 

Na música de Luiz Gonzaga os meninos reclamam dos brinquedos e dos animais que ficaram para trás, no exílio da Babilônia os judeus choram a liberdade perdida e lamentam o fato de não poderem mais cantar... 

No Egito, alguém escapou da morte para salvar o seu povo. Trata-se de Moisés. Na fuga de Jesus para o Egito ele se escapa da morte, pois o Faraó (Herodes) agora está por perto e respira a morte dos inocentes! O Egito que antes fora terra de escravidão agora se torna terra que acolhe os que fogem da morte. A Sagrada Família parte, às pressas para não morrer. Os inocentes que ficaram para trás pagaram com a vida a insensatez de um governante maluco. Herodes, pelo jeito, matou a esposa e os próprios filhos!

O que teria passado com a família sagrada no Egito? Ninguém o sabe. Certamente, passaram muitas dificuldades. Para quem é pobre em qualquer lugar o urubu é preto! José deve ter apanhado uns “bicos” para não morrer de fome. Maria continuou cuidando com amor de seu filho. Jesus menino levou ao Egito um pouco de sua luz.  Eles não tinham caderneta de poupança, nem reservas para os tempos de “vacas magras”. Mas, quem tem Deus tem tudo! Deus não abandona os retirantes. Por isso, ao final dessa “temporada”, avisados pelo anjo, voltam, não para Belém, na Judéia, mas para Nazaré, na Galiléia.  Nazaré era um lugar mais tranquilo e quase perdido no mapa. Por isso, José leva para lá a sua família na tentativa de escondê-la e protegê-la de novas perseguições. Pobre José!  Pelo visto, ele morreu antes da vida pública de Jesus. Ainda bem! Deus quis poupá-lo do que viria pela frente...