Renovação
Aquela casa sempre fora movimentada. Os filhos se reuniam todos os finais de semana e proporcionava grande agitação. Os meninos inquiet...

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Aquela casa sempre fora movimentada. Os filhos se reuniam todos os finais de semana e proporcionava grande agitação. Os meninos inquietos não se conformavam com o espaço do quintal e ganhavam à rua que já era estreita e acabavam por congestioná-la por completo. As filhas se acotovelavam no alpendre para colocar as novidades em dia. Os homens contavam prosas uns para os outros ou às vezes roncavam sobre os lençóis. Os quartos eram pequenos, mas acomodavam a todos. Somente o cheiro bom que vinha da cozinha botava a moçada em silencio e prometia reunir todos em volta da mesa de madeira que suportava em seu dorso muitas panelas quentes. Assim a vida seguia seu curso enquanto D. Maria criava sua ninhada de filhos e netos. Enviuvara muito cedo. Ocupada com os filhos, ainda pequenos, não teve tempo de pensar num segundo casamento. Por bem dizer não era contra as viúvas que buscavam amparo nos braços de um segundo marido. Mas, com ela a vida foi diferente. Os filhos cresceram, casaram-se e alguns mudaram para longe. Teve um que chegou a morar em Brasília, um lugar mais longe que o fim do mundo para D. Maria.
Um dia Dona Maria caiu de cama. Tudo começou como um resfriado. Coisa de pouca monta que, brevemente, seria curado com um chá de erva cidreira. Já havia passado por tantos arrancos que aquilo deveria ser coisa à toa. Mas, a tarde veio e ela sequer saíra da cama. O apetite sumiu os filhos também. Em casa, só estava o filho mais velho, bêbado como sempre. Não quis ligar para ninguém. Cada filho cuidava de sua vida e, amanhã, certamente, estaria melhor. No dia seguinte, D. Maria piorou. Viu vagamente quando o médico chegou. Não sabia mais de si. Adormeceu para sempre...
Diante de sua casa o alvoroço começou. Carros roncavam de madrugada, crianças mal-dormidas se debruçavam sobre o caixão, o cheiro de velas e flores invadia o espaço. O cachorro “Falcão”, velho amigo da casa não conseguia sair de debaixo do caixão. As vizinhas reclamavam e os homens tomavam as providências do enterro. D. Maria se foi. A casa se entristeceu. A família não se reuniu mais. O jardim secou, as galinhas foram roubadas, Falcão morreu de tristeza. A rua ficou triste. Pés de assa-peixe cresceram diante da casa. Os netos cresceram e sumiram cada vez mais. O filho mais velho deixou a bebida. Foi ele quem tomou as providências para vender a casa velha.
Agora percebo que um moço limpa o terreno. Dizem que sua esposa está grávida do primeiro filho. Ainda não sei o seu nome. Mas, sei que ele vem das bandas do Rio Pará. Ainda bem. Já não suportava mais o vazio da casa. O moço suado do trabalho assentou-se sob a mangueira. Parece estar sonhando com uma casa cheia de filhos, de barulhos e de festas. Dou-lhe um bom dia e ele responde vagamente. Vai ser difícil arrancar-lhe de seus sonhos. Que bom! D. Maria se foi, agora chega Vanessa – já descobri o nome da nova moradora – com a promessa de recomeçar tudo outra vez. A vida é assim: uma roda gigante onde as crianças se revezam já que o movimento da roda padece de eternidade.