Tapa na cara

Já contei essa história algumas vezes. Ela aconteceu quando fui seminarista em Belo Horizonte. Na época, eu cuidava da horta. Como...


Já contei essa história algumas vezes. Ela aconteceu quando fui seminarista em Belo Horizonte. Na época, eu cuidava da horta. Como sempre gostei disso, tinha vaidade com o negócio. Admirava os pés de couves, a organização dos canteiros e lançava mal olhado nas borboletas que punham ovos sob as folhas. Aquilo seria o prenúncio do apocalipse! Os ovinhos, de inocente aparência, transformavam-se em monstruosas lagartas ameaçando jogar por terra todo meu empreendimento. Sem querer exagerar muito, a horta me fazia seu refém. Ai de quem apanhasse as verduras antes da hora!
Deus tem o seu tempo para tocar no coração de cada um. O que era meu estava guardado até o dia em que fui visitado por duas mulheres pobres. Aconteceu numa manhã de sábado enquanto eu cultuava meu pequeno ídolo de quintal. Elas bateram à porta para pedir ajuda.  Pobre não é bobo. Certamente, já haviam manjado a horta. Foram direto ao ponto: O senhor - chamaram-me de senhor - poderia dar-nos algumas folhinhas de couve? Usaram o discurso politicamente correto para pedir ajuda. Tudo no diminutivo: folhinha, ajudinha, punhadinho... Isso é um recurso para amenizar a dor da vítima que, no caso, é quem vai tomar a facada! 

Diante do exposto raciocinei rápido interrogando-as: - As senhoras andam sempre juntas? Assim, fica mais difícil poder ajudar. Nem sempre o que tenho para uma, dá para as duas... Sem dar pela gravidade da coisa, acabei me traindo e confessando meu egoísmo. Ele estava implícito na lógica do “cada um para si”. Uma das mulheres, a mais velha, pelo visto, olhou-me, sem entender e disse: Olha moço, não tem problema não. Se a gente ganha uma única folha a gente divide...  Naquele instante, não era mais a mulher que dizia. Era Deus que me dava um tapa na cara para eu deixar de ser egoísta. Passava longe de mim, a lógica da partilha. 
Jamais me esqueci daquela lição! Lembrei-me, então, daquela viúva mostrada no Evangelho (Lc 21,1-4).  Ela foi ao templo de Jerusalém para fazer a sua oferta. Não disse nada, mas deu as únicas moedinhas que possuía. Não viu que Jesus a observava. Nem seu nome aparece no texto.  Mas foi capaz de oferecer toda sua fortuna, ou seja, duas moedas de pouco valor.
Será que ela não pensou no dia de amanhã? Será que não passou dificuldades por causa desse gesto?  - Certamente, não.  Afinal aquele que cuida dos pássaros do céu e dos lírios do campo, não iria cuidar dessa pobre viúva? Além do mais, Jesus afirmou que é dando que se recebe. A mulher deu tudo o que tinha. A grandeza de seu gesto, certamente, foi recompensada por Deus. 
Hoje continuo plantando couves. Mas, não mais da mesma maneira...

Imagem de Alexas_Fotos por Pixabay 

Related

A vida de fugitivo do Cura D’Ars - Texto 02

 Não deve ter sido fácil se esconder debaixo de um monte de palha e ainda sentir a ponta de uma espada picotando o seu corpo sem poder gritar... Foi isso que aconteceu, certo dia, com São João Ma...

Histórias sobre São João Maria Vianney – 01

 Depois de um longo tempo sem escrever, regularmente, como gosto de fazê-lo, eis que agora retomo ao ofício. Ofício? – Certamente, que não. Hobby, talvez. Em tempo: Detesto usar estrangeirismos n...

Feridas de estimação

 Enquanto dirigia procurando, desesperadamente, um local para estacionar o meu carro, ouvi alguém gritando o meu nome como se fosse um velho conhecido. No aperto da hora, nem pude olhar, sob pena...

Postagem mais recente Tapera
Postagem mais antiga Perfumes

Postar um comentário

Deixe aqui seu comentário

emo-but-icon
:noprob:
:smile:
:shy:
:trope:
:sneered:
:happy:
:escort:
:rapt:
:love:
:heart:
:angry:
:hate:
:sad:
:sigh:
:disappointed:
:cry:
:fear:
:surprise:
:unbelieve:
:shit:
:like:
:dislike:
:clap:
:cuff:
:fist:
:ok:
:file:
:link:
:place:
:contact:

Vídeos

Mais lidos

Mais lidos

Parceiras


Facebook

item