Todos os santos, Rogai por nós!

Sou devoto de São Sebastião, mesmo sem saber muita coisa sobre ele. O que sabemos   mistura um pouco de lendas e realidade. Mas, não im...


Sou devoto de São Sebastião, mesmo sem saber muita coisa sobre ele. O que sabemos  mistura um pouco de lendas e realidade. Mas, não importa muito. A fé caminha numa direção muito específica e acaba sendo autoexplicativa.  Depois não quero ser racionalista ao extremo. Quem disse que a razão pura também não erra? Além do mais, vale citar o conselho de Dr. Simão Bacamarte, em “O Alienista”, um conto de Machado de Assis: - quando você é o único a se achar racional, há chances sólidas de que seja o louco do pedaço... A tomar por aí, às vezes, é melhor desconfiar um pouco da razão...

São Sebastião marcou minha juventude na Cidade de Araújos, onde ele é o Padroeiro. Lembro-me da beleza de seu hino cantado pelas mulheres nas procissões:

Protetor dessa terra querida livra-nos, dos flagelos mortais. Dá-nos, paz, pura e santa vida, para a glória gozar imortais...

Minha mãe, no alto de sua pobreza, jamais recusou uma galinha para o leilão do santo no dia de sua festa. Afirmava que ele ficava grato pelo o presente e protegia o galinheiro o ano inteiro. Hoje, vejo que o preço cobrado pelo santo, era pequeno demais! Seja como for, a coisa funcionava. Teve um ano que muitas galinhas morreram de peste. A explicação foi imediata:- Naquele ano São Sebastião havia ficado sem a penosa!

No dia de São Sebastião era “feriado nacional” em Araújos. Aliás, os dias santos se multiplicavam na minha infância. Não se trabalhava no dia de São Brás, Santo Antônio, Nossa Sra. Aparecida... No dia de Santa Luzia, nem pensar nas ferramentas! Caso contrário, a gente podia ficar até cego! Cada santo protegia uma parte do corpo ou uma dimensão da vida. São Brás a garganta, Santa Luzia, os olhos, Maria Goreth protegia as virgens. Essa última, pelo visto, não tem muitas seguidoras, atualmente. No dia de Santos Reis era feriado na roça. O nervosismo era geral. Todos queriam acompanhar os foliões. O mais lindo era a chegada da folia. Tinha macarrão com “mastumate” para toda a meninada. Não precisava de mais nada. Os santos nos alimentavam.

Naquele tempo, eu pensava que São Sebastião tinha mais responsabilidade que os outros santos. Ele sozinho tinha que nos livrar das pestes, da fome e das guerras!  Ninguém pedia quase nada para Santo Antônio. As moças às vezes, pediam-lhe algum namorado. Coisa que, nem sempre, ele atendia. Conheci uma que chegou a comprar um vestido de noivas. Essa sim! Tinha um excesso de confiança no Santo. Mas, pelo visto, ela não rezou direito. O vestido ficou dobrado até amarelar-se. Chegou a pedir para ser enterrada com ele. Mas, como  desejo de morto é a última coisa que conta, ninguém ligou para isso. O vestido? Até hoje não sei onde foi parar. Lembro-me que ela dormia em cima do cavalo rezando o terço. Não era ela quem guiava o animal. O coitado aprendeu a abrir as porteiras sozinho. Pense bem: Seria exigir demais de Santo Antônio que aquela morta-viva, arranjasse um pretendente. Coitada, tá no céu, ocupando um lugar no corredor das virgens involuntárias.

No dia do santo de devoção (quase todos os dias) muitas pessoas andavam pelas casas vizinhas carregando a estampa do santo e pedindo esmolas para pagar alguma promessa. E como tinha promessas, naquele tempo, meu Deus! Como a pobreza era geral, o pedinte andava quilômetros para faturar algum trocado. Mas, também não se preocupava muito com relógio. Aliás, a gente nem tinha relógio em casa. Nossa hora era marcada por um pequeno buraco no terreiro onde se projetava a sombra do telhado. Assim, convencionamos estabelecer a hora do almoço quando a sombra atingia aquele buraco. Em dias de chuva a hora era marcada pelo estômago mesmo. Assim, era tudo mais simples. Também não tínhamos muita coisa para comer. Comia-se o que era possível e os santos espiavam tudo do oratório, uma espécie de igreja doméstica para quem morava muito longe de qualquer igreja. Parece que os santos também se solidarizavam com nossa pobreza.

Minha mãe era devota de Santa Bárbara, não raramente, a invocava como  “Santa Barba”. Ela tinha a função de nos proteger dos raios e trovões. Na ordem de perigo raios e trovões ocupavam o mesmo espaço. Antes das chuvas era aquela correria. Tínhamos que cobrir os dois espelhos: Um mais simples e um “porta toalhas”. A gente achava que os espelhos atraíam os raios. Cheguei a tomar raiva deles por isso. Achava que não tinham esse direito. Só porque estavam a serviço da vaidade poderia cobrar tão caro de nós? Talvez, isso explique o fato de eu nunca ter tido boa relação com os espelhos. Hoje, depois dos cinquenta, não sei por que, os odeio mais ainda.

Ainda bem que, ao longo da vida, sempre tive a proteção dos santos. De um jeito ou de outro eles estavam lá e eu nunca me sentia só. Mas, Deus não bastava? Claro que sim. Mas, os santos, pelo menos uma parte deles, também passou pelos mesmos perrengues que eu. Isso os tornava mais próximos de minha realidade. Ainda hoje, não sei viver sem eles. Nesse exato momento que escrevo tenho a imagem de São Vicente atrás de mim e à minha esquerda sou observado por São Paulo. Que bom! Hoje só tenho as imagens deles. Um dia, quero tê-los bem perto de mim, lá no céu, onde não haverá mais espelhos nem chuva brava...

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  1. Que lindo Padre Geraldo o senhor foi narrado a história e eu fui lembrando de minha infância morria de medo de trovõe esses Santos citados fazia parte de minha infância e fazem até hoje os espelhos cobertos a crença no santo casamenteiro pra me valeu tem 32 anos de casada.GOSTO muito de suas crônicas são muito criativas 👏 Boa noite !

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  2. Que texto maravilhoso,gostei Muito,nós fazem lembrar do tempo simples mas que éramos mais felizes

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  3. Realmente o Sr. Está no lugar certo. Suas escritas sábias nos leva a uma dimensão espiritual no qual, leigamente, jamais imaginaria-mos a força da santidade. Fiquei muito feliz em poder ter o privilégio da sua mensagem, e com certeza sua catequese é um alento para nós cristãos. Obrigado e continue sendo esse nosso diretor espiritual fantástico. Um grande abraço!

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  4. De uma maneira simples, popular suas palavras nos enriquecem de sabedoria.
    Leitura boa de fazer.

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  5. Q leitura mais boa de se ler Padre Geraldo Gabriel... o tempo q eramos felizes e não sabia... q Deus continue abençoando sempre o senhor e mt obg por nos fazer sempre refletir

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  6. Assim foi nossa infância e adolescência, cheia de novenas e Fé nos nossos Santos!!

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  7. ..."Ainda bem que, ao longo da vida, sempre tive a proteção dos santos. De um jeito ou de outro eles estavam lá e eu nunca me sentia só."...

    Deus seja louvado!

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