As galinhas de minha mãe

Faz tempo que perdi minha mãe, mas, ainda guardo muitas lembranças dela. Uma das coisas que ela mais gostava era de ver as galinhas ...


Faz tempo que perdi minha mãe, mas, ainda guardo muitas lembranças dela. Uma das coisas que ela mais gostava era de ver as galinhas no terreiro. Com aquela galinhada toda costumava dar motivos para as implicâncias de meu pai. Só por pirraça ele mantinha um chicote de couro, com cabo de madeira, pendurado na parede da cozinha. “Tretou-relou” o pau comia. E o pau comia quase sempre, pois nunca vi um bicho tão teimoso como galinha! Ela vai, preferencialmente, aos lugares proibidos: Entra na horta, cisca na beira d’água, e entulha de sujeira os corredores da casa.  Em nosso caso, as galinhas eram ainda mais insistentes, pois disputavam conosco, em pé de igualdade, o pouco alimento que tínhamos.

Mamãe gostava de ver um terreiro bem sortido: Angolas, patos, garnisés e galinhas dos pescoços pelados... Meu pai tinha mania de galo índio. Dizia que seu canto era curto e, por isso, incomodava menos.  Fazendo gestos imitava os cantos de outros galos apenas para irritar minha mãe. Criados na pobreza, minha mãe vendia os ovos para completar o dinheiro das compras. Quando necessário, vendia, a contragosto, também os frangos. Nessas horas podia contar com o apoio de meu pai.

Tudo o que fizesse mal às galinhas irritava minha mãe. Além de meu pai, irritava-se também com os gambás que comiam os ovos, com as jiboias que comiam os frangos e tudo mais que representasse uma ameaça às penosas. Lembro-me, de certa vez, quando ela notou o sumiço de uma franga amarela. Dizia que era a melhor do terreiro. Falava da franguinha como quem fala de uma filha adolescente. - Não é que a “menina” sumiu mesmo, reclamava com as vizinhas... O sumiço da franga despertou nela o senso investigativo. E as pistas começaram a aparecer, pois não existem crimes perfeitos.  Viu uma marca estranha na areia e seguiu aquele rastro esquisito até que ele sumisse na entrada do moinho de fubá que era tocado com a força das águas. Não deu outra! Bem debaixo do caixote que sustentava a mó, um chouriço de cobra que mais parecia uma sucuri. A empanzinada parecia estar morta naquele espaço isolado da casa. Minha mãe, não pestanejou. Carregou a cartucheira e meteu fogo na assassina. Os grãos de chumbo salpicaram a região, mas a jiboia nem piscou. Na barriga da cobra estava a franga amarela mortinha da silva.

Minha mãe sabia atirar e ter armas em casa, naquele tempo, não era crime. Em muitas ocasiões, a espingarda foi a salvação da lavoura, naquele fim de mundo. Ainda me recordo da ira de meu pai, quando uma das minhas irmãs perdeu o gatilho da sua espingarda. Ele quase a deserdou, mas se isso tivesse acontecido ela também não ia perder muita coisa! Mas, voltemos às galinhas!

Certa ocasião, minha mãe não estava conseguindo juntar os ovos no galinheiro. Quando passava em revista aos ninhos só via as cascas. Desconfiou logo de um inimigo que rondava o galinheiro apesar da cachorrada que tínhamos. Era um gambá ou uma gambá, pois  nesse caso, trazia a prole, para um jantar à luz da lua. Minha mãe armou tocaia, mas de nada adiantou. Foi então, que descobriu o “calcanhar de Aquiles” do inimigo. Soube que ele gostava de uma “caninha”. Na noite seguinte tudo estava preparado para o crime. Uma cachaça, da boa, enchia a lata de goiabada. Ao lado da bebida, um tira-gosto, ou seja, um torresminho frito. Para economizar os torresminhos mamãe pendurou o restante na parede ao lado.  No seu planejamento pegaria o bicho na hora do porre e mostrar-lhe-ia, com quantos paus se faz uma canoa. No outro dia, bem cedo, foi ao galinheiro com sede de vingança. E o que viu? – Nada! - O bicho? “Hashtag” partiu! Enxugou a lata, comeu o torresmo e ainda derrubou o restante do tira-gosto. Desiludida com o plano, ela voltou sem os ovos, sem a cachaça e o pior, sem esperança de matar o gambá. Para disfarçar-se do trauma apenas disse: - Ele não perde por esperar. Vingança é um prato que se come frio...   

Imagem de Alexas_Fotos por Pixabay 

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  1. Kkkk #partiu pra casa... adorei as figuras de linguagem. Imaginei tudo desde o terreiro a sua irmã com a sumindo com o gatilho da espingarda.

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  2. Como é bom começar o dia dando boas risadas!!!! Bom dia padre Gabriel! A sua bênção!!

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