Zacarias: de sacerdote a profeta

Existem alguns velhinhos na Bíblia que chamam muito minha atenção. Um deles é Zacarias, pai de João Batista. Zacarias devia ser um homem de posição, afinal, pertencia ao grupo dos sacerdotes e isso não era pouca coisa. Pelo visto, já tinha desistido de seu maior sonho: Ser pai. A Bíblia não esconde isso, pois o anjo lhe disse: - Suas preces foram ouvidas (Lc 1, 13)! As preces foram ouvidas e atendidas: ele seria pai. Mas, agora? Como isso poderia acontecer? Ele já estava idoso e sua mulher Isabel, além de idosa era estéril... Humanamente falando isso era coisa impossível. Porque Deus não o atendera quando era mais jovem? Tudo poderia ser mais fácil.  Por muitos anos permaneceu na fila dos desejos. Mas, a senha dada por Deus o colocava em último lugar. Na verdade, ele já havia desistido de ser atendido.

O plano de Deus acontece à revelia das condições humanas. O que parece humanamente impossível para Deus é possível. Então, não é de se estranhar que uma virgem possa engravidar e uma idosa dar a luz... Nisso Deus é surpreendente! É tão surpreendente que nos faz perder a fala. Foi, exatamente isso, que aconteceu a Zacarias: Perdeu a fala. Mesmo sendo sacerdote não ousou acreditar. Aliás, a posição de sacerdote, pelo jeito, não facilitava as coisas. Nessa condição devia zelar pelas leis e tradições. Nada de muita inovação! Cabia a ele zelar pela pureza do culto e do templo. Essa situação o engessava diante do novo. Diante da “boa nova” de Jesus, por exemplo, muitos sacerdotes do templo entraram em pânico. Como aquele “Zé ninguém”, nascido em Nazaré, uma cidade que nem constava no Google daquele tempo, ousava questionar a elite religiosa?

Durante seu ofício litúrgico Zacarias perdeu a fala. Ele mesmo, que deveria ser exemplo de fé, não conseguiu assimilar a novidade de ser pai. Mas, Deus sabe o que faz.  O seu filho nasceu forte e recebeu o nome indicado pelo anjo: João. Isso também rompia com uma tradição. Naquele tempo, o primeiro filho devia receber o nome do pai para preservar esse nome após a morte dele. Mas, Zacarias rompeu com tudo isso ao dizer que o nome do menino seria João. João significa dom de Deus. Esse filho foi o grande dom de Deus em sua vida. Por isso, não seria justo receber outro nome. No aconchego da família e longe da instituição engessada do templo, Zacarias recuperou a voz e profetizou muita coisa a respeito de seu povo e do próprio Jesus que nasceria. O seu lado de profeta falou mais alto que o lado sacerdotal. Deixou de colocar incenso no altar dos perfumes para contemplar o sol nascente que estava surgindo. Como profeta viu, antes dos outros, que a salvação de seu povo, não estava na religião oficial, mas na gruta de Belém.

Zacarias e Isabel representam o Antigo Testamento que se curva diante do Novo. Ao serviço do novo, ele entregou o seu filho João Batista: ... E tu menino, serás chamado profeta do altíssimo; pois irás à frente do Senhor, para preparar-lhe os caminhos (Lc 1, 76). João não seguiu a “carreira sacerdotal”, mas logo na juventude, foi morar no deserto onde se alimentava de gafanhotos e mel silvestre. Preferiu à aridez desse lugar ao luxo dos templos. Foi atravessando o deserto, que o povo de Deus aprendeu a ser livre antes de conquistar a terra prometida. As estruturas do templo estavam refratárias às novidades do Espírito de Deus. No deserto, o vento corre livre e pode fazer ecoar a voz daquele que grita: Preparai os caminhos do Senhor! O Espírito de Deus não gosta de gaiolas. Ele respira liberdade. Talvez, por isso, Zacarias somente recuperou a voz, longe do templo que acabava engaiolando o sagrado. Esse é um risco em todos os “templos”...  Pense nisso!

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