O uso do cachimbo põe a boca torta

Em outros tempos a gente pensava que a juventude era, por natureza, irreverente e questionadora. Puxava a vanguarda das discussões e...


Em outros tempos a gente pensava que a juventude era, por natureza, irreverente e questionadora. Puxava a vanguarda das discussões e, às vezes, até escandalizava aqueles que queriam preservar os “bons costumes”. Mas, atualmente, parece que a coisa anda diferente. Alguns jovens lideram a “vanguarda do atraso” quando defendem ideias de cinquenta anos atrás. Às vezes, dá-se a impressão, que os “sessentões” estão mais arejados do que a moçada.   Mas, o que foi que aconteceu ou o que teria levado a isso? Não sei. Talvez, não tenha sido uma única situação, mas a confluência de diversos fatores. Uma coisa é certa. Estamos desaprendendo a pensar. A desvalorização da filosofia, história, sociologia e outras ciências, em minha opinião, contribuíram muito para esse “coma coletivo” atual. Vou me valer de um conto indiano para que você possa refletir sobre o assunto. A conclusão você mesmo deverá tirar.

Conta-se, que certa ocasião, um rei muito poderoso, caiu do cavalo e quebrou as pernas. Por causa disso, não tinha coragem de aparecer, publicamente, pois nunca mais conseguiu andar sem muletas. Foi então, que teve uma ideia “genial”. Através de uma normativa (palavra da moda), emitiu a seguinte ordem: A partir daquela data, todas as pessoas de seu reino também deveriam usar muletas! A penalidade para quem desrespeitasse sua ordem seria a morte.

No começo aquela ordem causou certa estranheza. Os “especialistas” foram entrevistados na televisão e cada um deu um palpite. Alguns “influenciadores digitais” espalharam fake news divulgando os grandes benefícios do uso das muletas. A indústria de muletas cresceu e, desde criança , as mães adestravam os filhos para aquela moda de “vanguarda”. Outros, mais irreverentes, tentaram andar sem muletas. Os soldados do rei tiveram dificuldades em prendê-los, pois só podiam correr de muletas. Finalmente, os “elementos” foram capturados e condenados a uma morte pública e vergonhosa. Um deles chegou a ser crucificado... A ideia era intimidar a todos que desrespeitassem às diretrizes (outra palavra da moda) causando “balbúrdia”.

Quando o rei morreu, muita gente já havia se esquecido de como andar sem muletas. Apenas, um homem solitário, que vivia nas montanhas, longe dos olheiros do rei, sabia andar livremente. Aliás, adorava fazer caminhadas num parque das redondezas. Um dia, ele recebeu a visita de alguns jovens que, a muito custo, chegaram a sua casa. Afinal, não era fácil usar muletas nas montanhas! Mas, o idoso, calmamente, ensinou aqueles jovens uma nova pedagogia e eles se libertam das muletas. Ao retornarem para a cidade andando livremente, escandalizaram os guardiões da moral e dos bons costumes. Foram presos e torturados. Foram acusados de desviar outros jovens do bom caminho. O certo era andar de muletas! O próprio idoso, mentor dos jovens foi acusado de louco e comunista. Como um homem naquela idade poderia ser tão extravagante? Se a moda pegasse a indústria de muletas iria à falência. E como iria ficar nesse caso, a iniciativa privada?

A partir daquela situação, os meios de comunicação se encarregaram de falar bem das muletas. Diversos programas televisivos exaltavam as muletas. Contrataram jogadores e modelos famosas para um desfile de muletas... Só se falavam nisso. Sobre os jovens rebeldes, disseram um monte de fake news. Inovar o comportamento passou a ser perigoso. Tudo deveria ser como era no princípio agora e sempre. Só faltou o amém.

Nosso povo costuma dizer que, o uso do cachimbo põe a boca torta. Se muita gente anda com a boca torta, talvez, seja mesmo “culpa” dos cachimbos. Nas últimas décadas foram colocadas à disposição do povo, muitas variedades, de cachimbos. Mas, será mesmo natural andar com a boca torta, ou deveríamos abolir os cachimbos? Não sei. Cada um pode avaliar a questão a seu modo. Mas, é bom que pensem rápido, antes que ruflem os tamborins do carnaval...


Conto adaptado do livro: As Margens do Ganges, da autora Martine Quentric- Séguy.


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  1. Verdade, muitos jovens tem um certo cárcere em suas mentes.
    Gostei do texto.
    Obrigada por partilhar conosco.

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  2. Mais uma pérola! Parabéns!

    Crítica muito bem elaborada e gostosa de ser lida sobre nossa política, nossos jovens, usando viseiras...e a massa teleguiada...

    (Não percamos a esperança em dias melhores!)

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