As pedras falarão!

Naquela manhã tudo parecia diferente em Jerusalém. Os peregrinos estavam chegando, em comitivas, para celebrarem a Páscoa. Essa festa...



Naquela manhã tudo parecia diferente em Jerusalém. Os peregrinos estavam chegando, em comitivas, para celebrarem a Páscoa. Essa festa era marcada pela alegria, pois recordava os grandes feitos de Deus em favor do seu povo quando esse atravessava o deserto. Nas inseguranças da travessia o povo sabia que podia contar com a proteção divina. Por isso, não lhe faltou nem pão, nem água e proteção. Estabelecidos na terra de Israel jamais poderiam esquecer-se desses gestos de Deus. Por isso, vinha gente de todo lado para celebrar a páscoa. As crianças ficavam ansiosas por esse dia. Seria uma grande oportunidade de conhecer gente nova, brincar e visitar os lugares santos. Os idosos gostavam de contar histórias e não se esqueciam de lembrar as narrativas bíblicas onde Deus se colocava sempre ao lado do seu povo. Os jovens corriam na frente para chegarem primeiro e arrumarem o local da hospedagem.
Naquele dia uma das comitivas chamou a atenção de todos. Montando num jumento, em meio a grande alvoroço, Jesus também se dirigiu, como peregrino, a Jerusalém. Um grupo de pessoas, que já o acompanhava, encarregou-se de agitar a galera. Afirmava, aos gritos, que ele era o Messias esperado e agitavam ramos verdes colhidos nas árvores da região. Alguns, mais empolgados, estendiam as próprias vestes no chão para que o burrinho pisasse sobre elas. Esse grupo conhecia outras passagens bíblicas onde o jumento também servira de táxi para transporte de famosos. Alguém se lembrou da mula de Balaão (Nm 22,22), que falou, como se fosse gente, ao ser interceptada por um anjo na estrada. Balaão era um feiticeiro famoso que foi contratado, na ocasião para amaldiçoar o povo hebreu. Só que o “feitiço virou-se contra o feiticeiro” e ele acabou abençoando o povo em vez de amaldiçoá-lo.

Incomodado com a agitação popular em torno de Jesus, não demorou que as autoridades viessem botar ordem nas coisas. E disseram: Mande esse povo calar a boca! – Mas, Jesus retrucou: - Se eles se calarem as pedras falarão! E não dava mesmo para duvidar disso. Por isso, as autoridades ficaram em silêncio até aparecer uma nova situação. Se a mula de Balaão, falou no passado, agora a coisa ficou mais séria. As próprias pedras falariam! Elas pareciam ter mais sensibilidade, à presença de Deus, do que as autoridades do povo!

Quando a comitiva de Jesus chegou ao alto do Monte das Oliveiras pode vislumbrar toda a beleza de Jerusalém. Do outro lado a cidade parecia brilhar com os raios do sol. Todos foram tomados de grande alegria, menos Jesus. Por alguns instantes ele chorou. Será que chorou de felicidade? Acho que não. Quem estava mais perto dele ouviu o que ele disse olhando para Jerusalém: - “Se também você conhecesse hoje o caminho da paz! Agora, porém, isso está escondido aos seus olhos!” E chorou copiosamente.  Naquele dia Jesus já sabia tudo o que iria acontecer com Jerusalém nos próximos anos. Ela seria, totalmente, destruída pelos romanos. Jerusalém afundara-se em pecados. Matou diversos dos seus profetas e agora não recebia com amor àquele que poderia lhe trazer a paz...

Jesus sabia tudo e não acreditou muito naquela empolgação geral. Sabia que o povo, muitas vezes, é como folha de bananeira, que o vento leva prá lá e prá cá. Iriam mudar, rapidamente, de opinião sobre ele. E não deu outra. O mesmo povo que o aplaudiu e o recebeu com carinho logo logo pediu sua condenação. São Bernardo (1) dizia que a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém foi bastante efêmera.

Os ramos verdes murcharam-se rapidamente. O hosana entusiástico  transformou, cinco dias mais tarde, num grito furioso: Crucifica-o! Por que foi tão brusca a mudança, porque tanta inconsistência? Para podermos entender um pouco do que se passou, talvez tenhamos que consultar o nosso coração. Como eram diferentes umas vozes das outras! – comenta São Bernardo: - Fora, fora, crucifica-o e bendito o que vem em nome do Senhor, hosana nas alturas!  Como são diferentes as vozes que agora o aclamam Rei de Israel e dentro de poucos dias dirão: Não temos outro rei senão César! Como são diferentes os ramos verdes e a cruz, as flores e os espinhos! Àquele a quem antes estendiam as próprias vestes, dali a pouco o despojam das suas e lançam a sorte sobre elas...

Jesus que entrou em Jerusalém aclamado por todos seria, brevemente, abandonado por todos. Ele sabia e era conhecedor de todas as incoerências humanas. Ainda assim, não desistiu de seu projeto. Foi até o fim doando-nos a própria vida. O que mais ele poderia ter feito para mostrar o tanto que nos ama? Quem doa a própria vida dá a maior prova de amor. Diante desse quadro, cada um pode avaliar a si mesmo. Apesar, de minhas incoerências eu também seria capaz de doar a vida? Certamente, que sim. Muitos pais e mães não fazem outra coisa, no silencio do dia a dia, a não ser doar a vida pelos filhos e pela família. Mas, existem também aqueles que doam a vida para salvar da morte até pessoas desconhecidas. Esse foi o caso de São Maximiliano Kolbe e de tantos outros santos conhecidos.
Pense nisso!

1-      São Bernardo. Sermão no Domingos de Ramos.

Imagem de Miguel ángel villar por Pixabay 

Related

Crônicas 532068542037676531

Postar um comentário

  1. Emocionante reflexão que nos remete, como sempre, aos dias de hoje com a sua maestria no malabarismo com as palavras...
    Parabéns!

    ResponderExcluir

Deixe aqui seu comentário

emo-but-icon

Siga-nos

dedede2d

Vídeos

Mais lidos

Parceiras


Facebook

item