O choro da flauta de junco
Conheci, de perto, duas histórias que me servirão nesse texto, para falar o que pretendo. Os nomes dos personagens eu resguardo para n...
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Conheci, de perto, duas histórias
que me servirão nesse texto, para falar o que pretendo. Os nomes dos
personagens eu resguardo para não expor ninguém. Em comum, ambas as histórias, envolvem
duas mães; uma ainda vive. A outra já é falecida. A primeira história foi presenciada
na minha infância. O casal só tinha um filho que morreu ainda jovem. A mãe jamais
se conformou. Todos os dias “fofava” o colchão de palhas, na cama do filho e estendia
sobre a mesma, os lençóis, mais brancos, do que as nuvens. Esse ritual era
cumprido todos os dias. Diuturnamente, consumida pela dor, esperou pela volta
do filho. Hoje, os três: - pai, mãe e filho já se encontram no céu.
Provavelmente, ela deita sobre as nuvens aquele a quem mais amou em vida...
A segunda história é recente. A
mãe perdeu o seu filho num acidente de moto. Após isso, ela morreu pela metade.
Ainda não conseguiu tirar do armário as roupas do moço. Quase todo dia visita
sua sepultura e irriga as flores ressequidas com suas lágrimas de sal. Separada
do marido ela só tinha aquele filho para amar... Rezo muito por ela. Mas, não
sei como e quando poderá superar esse trauma...
A ausência da pessoa amada faz
com sua presença seja ainda mais sentida. Ela passa a ser vista nos mínimos
detalhes: O tamborete em que se sentava o prato preferido, o lugar à mesa...
Tudo evoca a presença daquele, ou daquela que se foi.
No plano místico ocorre algo
parecido. O místico, apaixonado por Deus, sente na dor da ausência, a presença daquele
que pode saciar toda sua sede de amor. Feito amante abandonado ele não sabe
mais viver sem a presença do amado. São João da Cruz dizia, em seu cântico espiritual:
Pastores que subirdes, além, pelas malhadas, ao outeiro, se, porventura
virdes Àquele a quem mais quero, dizei-lhe que (sem ele) adoeço, peno e
morro... (1)
Nesse cântico percebe-se o amor
que tem sede infinita pela fonte que o sustenta. Essa fonte, no caso, é Deus. E
Deus parece se esconder do amante só para vê-lo angustiado nessa busca por Ele.
A alma humana separada daquele que a moldou não consegue mais viver sem ele.
Como as mães inconsoladas acima, a alma humana suplica pela presença de Deus
como a terra seca pela presença da chuva. Uma vez, ferido por amor, o místico
não sabe mais viver sem esse amante que o feriu e o “abandonou”:
Onde é que te escondeste, Amado, e me deixaste com gemido? Como o cervo
fugiste, havendo-me ferido; saí, por ti clamando, e já eras ido...(2)
Jalal ad-Din Muhammad Rumi, poeta
jurista e teólogo persa, do Séc XIII(3), comparava-se, a uma flauta de junco,
que arrancada do juncal produzia um som plangente, como um lamento, por viver
longe de sua origem:
Ouve a história contada pelo junco, sobre sua separação. “Desde que fui
cortado do juncal, produzo este som lastimoso. Todo aquele separado de quem ama
compreende o que digo, todo aquele arrancado de sua fonte anseia por
retornar...”(4)
O lamento do junco, arrancado das
margens do rio simboliza a alma que foi separada de Deus. Assim cantava o
salmista: - Minha alma tem sede de Deus, assim
como a corça tem sede das águas... (Sl 41/42).
Cada um de nós padece a mesma
sorte da flauta de junco. Fomos arrancados de Deus e para Ele voltaremos um
dia. Enquanto isso, cantamos lamentos como os judeus na babilônia que, longe da
pátria querida, penduraram as cítaras nos salgueiros (Sl 137). O que nos dá
esperança é que, um dia, estaremos todos com Deus e o veremos face a face. Por
enquanto, podemos vê-lo, como que, através de um espelho ou uma vidraça
embaçada (1ª Cor 13,12). Essa visão já
nos consola e nos anima a caminhar com mais firmeza em direção ao horizonte. É
lá que o sol se deita para contemplar a verdadeira luz que ilumina todos os
homens...
1- Canção
II – São João da Cruz. Obras Completas. Vozes, Petrópolis, RJ, 2002. Entre
parêntese, escrita minha.
2- Canção
II. Idem.
3- http://ggpadre.blogspot.com/2019/04/a-mistica-permeia-todas-as-religioes.html4- Smith, Huston. As religiões do mundo: Nossas Grandes Tradições de Sabedoria. São Paulo, Cultrix – 10ª edição. 2007.
Imagem de Jacques GAIMARD por Pixabay
Como São João da Cruz 🙏
ResponderExcluirA sede de busca pela fonte Amor, Deus.
Tenho uma filha de 6 anos e vejo nela Cristo que me chama a conversão.
ResponderExcluirO amor de uma mãe pelo filho acho que é se mais parece com amor de Cristo por nós.
Deus não desiste de nós.
Nossa Padre, quando se traz o Divino para nossa realidade humana tudo fica tão "simples" de compreender, mas ao tempo doloroso.
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