Jesus e Nicodemos

Dizem que há uma espécie de águia que, depois de certo tempo, desmancha o próprio ninho para que os filhotes aprendam a voar. Ela os empurra com o bico em direção ao abismo, mas, assim que eles começam a voar, de forma desajeitada, ela voa mais rápido e os ampara com as próprias asas. Essa imagem, inclusive foi usada pelo autor do Deuteronômio para falar do cuidado que Deus tem para com os seus filhos (Dt: 32,11). Deus é pai sem ser paternalista. Ele também nos empurra para que possamos viver a aventura da vida. Mas, não nos abandona à própria sorte. Nós é que, frequentemente, o abandonamos e só nos lembramos do seu amor quando somos arremessados contra as rochas.

O filhote da águia, solto ao vento, pode até imaginar, num primeiro momento, que o empurrão de sua mãe teria sido um ato de covardia. Mais tarde irá entender que aquele empurrão foi para que ele aprendesse a voar. Caso contrário, jamais poderia, um dia, alcançar as alturas! Não há quem não admire o voo de uma águia. Ela voa tão alto que ultrapassa as nuvens. Mas, tudo isso começou com um pequeno ensaio desajeitado e perigoso.

Cada um de nós herdou um ninho pronto em sua vida. Fazemos parte de uma família e de uma comunidade com seus hábitos e tradições. Ninguém se formou a partir do nada. Além da carga genética herdamos uma carga cultural e social imensa. Sair um pouco desse ninho, para fazer novas revoadas não é fácil. Isso ficou evidente na conversa entre Jesus e Nicodemos.

Nicodemos estava acomodado em seu ninho. Ninho feito de leis e regulamentos. Pelo visto, ele era mestre em Israel. Nessa posição privilegiada, poderia ver tudo do alto. Não precisava experimentar os desafios de quem vive nas planícies da vida. Um dia ele resolveu ir conversar com Jesus durante a noite. Talvez, não quisesse arriscar a pele diante da “opinião pública” daquele tempo. Afinal, Jesus era visto, por alguns, como subversivo. Apesar disso, Nicodemos vê um algo mais, naquele homem pobre, de Nazaré, que se intitulava, apenas, como “filho do homem”. Qual foi o desfecho daquela conversa não sabemos. Mas, o certo é que, naquele dia, Jesus mexeu com Nicodemos e talvez, o tenha tirado de sua “zona de conforto”. Um diálogo sincero com Jesus é sempre transformador.

Nicodemos, pelo jeito, queria entender, racionalmente, a mensagem de Jesus. Durante a conversa, Jesus usa a imagem do vento para falar do mistério de Deus. Não dá para enquadrar Deus dentro de nossos esquemas mentais, assim como não é possível engaiolar o vento. Os navegantes conhecem o poder dos ventos. Percebem isso, no movimento dos barcos cujas velas são empurradas por ele. Nós percebemos a ação de Deus na vida de alguém pelos bons frutos produzidos. Não dá para amar a Deus e não mudar de vida. Deus provoca uma grande renovação em cada um de nós. Por isso, Jesus disse que Nicodemos deveria nascer de novo. O pano velho, dificilmente, suporta um remendo feito com pano novo...

Para acolher o vinho novo da mensagem de Jesus é preciso que o pote seja novo também. Caso contrário, ele se arrebenta. O Evangelho de Jesus é chamado de “Boa Nova”. Quem o acolhe acaba se renovando também. A Palavra de Jesus nos faz ver o mundo de forma diferente. O vento deixa de ser vento para ser Espírito, a água deixa de ser água para ser batismo, o fogo deixa de ser fogo para ser luz divina. Acolhamos, pois, essa palavra. Somente ela é portadora de vida eterna...

Imagem de jmarti20 por Pixabay