O que é mitologia?

   Confesso que gosto muito de estudar mitologia. Os mitos nos oferecem uma leitura aberta sobre as realidades humanas. Essa forma de conhe...

  


Confesso que gosto muito de estudar mitologia. Os mitos nos oferecem uma leitura aberta sobre as realidades humanas. Essa forma de conhecimento arrasta três mil anos ou mais! Gosto de ler e aprender sobre mitologia grega, indiana, africana e brasileira. Cada povo teve seus mitos, sua forma de explicar a vida e os fenômenos da natureza. Naquele tempo, a filosofia estava prestes a nascer e a ciência, tal como a conhecemos hoje, nem sonhava existir. E, no entanto, o homem já procurava, a seu modo, explicar a vida forma simbólica.

Os mitos não são historinhas para boi dormir. Por trás de uma aparente ingenuidade eles falam de nós mesmos. Os deuses encarnam nossos sentimentos mais nobres ou mais cruéis. As figuras mitológicas são arquetípicas. Um arquétipo é um modelo inicial perfeito. Dessa forma, Afrodite encarna, com perfeição, o amor e a beleza feminina, enquanto Hefesto, o seu marido, a perfeição na feiura e na arte da forja dos metais. Isso já nos ensina alguma coisa. Porque a deusa mais linda se casou com o mais feioso do Olimpo?

Um arquétipo, enquanto modelo perfeito, só pode ser imaginado, pois ao homem não é dado conhecer a perfeição. Apesar dessa condição desfavorável, podemos imaginar coisas perfeitas que, segundo Platão, só existem no mundo das ideias. Nossos arquétipos funcionam como horizontes de possibilidades. Eu jamais conseguirei a perfeição ética de um deus! Mas, nada me impede de caminhar nessa direção. Nunca terei um corpo igual ao de Apolo, mas posso tentar moldar o meu. No meu caso particular, já desisti disso faz tempo!

Para entender mitologia é preciso pensar simbolicamente, coisa que já acontece na vida, mas, nem sempre, prestamos muita atenção. A criança tem mais facilidade nisso do que os adultos. Para ela uma fada encarna a possibilidade de realização dos seus desejos. A gente “cresce” e vai se tornando cada vez mais racionais. A luta pela subsistência vai tirando muita coisa de nós. A vida não é totalmente, racional. Aliás, seria insuportável se fosse assim. Como falar racionalmente do amor? Alguém faria um discurso lógico para convencer a amada do seu amor? – Claro que não! Um piscar de olho pode falar mais que mil palavras e um esbarrão de cotovelo expressar mais que um discurso elaborado. Você já escutou a conversa de um casal de namorados? Aquilo só faz sentido para os dois. Quem está fora da relação acha um absurdo. Definitivamente, o amor não passa pela lógica!

Quando a mitologia fala dos deuses ela fala de nós mesmos, de nossas frustrações, ciúmes, desejos... Afrodite é o amor que cuida, Atenas a inteligência que conduz; Édipo aquele que se dá bem na vida profissional enquanto a pessoal lhe cai aos pedaços...  Zeus representa a ordem no caos, e Tártaro as potências infernais...  Existem realidades que a mente humana não consegue expressar com facilidade. Por isso, usamos os símbolos. Procustes simboliza justiça que, por fanatismo, comete as piores injustiças; Juno encarna a esposa ciumenta e vingativa. Eros o amor que nunca pode ser completamente saciado... De alguma forma temos todos esses deuses dentro de nós mesmos!

Os relatos mitológicos explicam, a seu modo, o surgimento do cosmos, do mundo organizado, cosmético, harmonioso. Os olhos “desenhados” na cauda do pavão foram tirados de Argos, como forma de imortalizá-lo, quando este teve sua cabeça cortada por Hermes; a flauta pan surgiu do corpo de uma ninfa (Sirinx) quando a mesma fugia da perseguição de Pâ; deus dos pastores; Hermafrodita é o filho de Hermes com Afrodite; o dente quebrado de Ganesha lhe serviu de pena para que pudesse escrever o Ramayana; os raios que riscam os céus em dias chuvosos são a ira de Iansã, na mitologia Yorubá.

Os mitos nos falam através dos símbolos: fogo, água, raios, astros... Essa linguagem não é racional. O machado de Xangô, e a balança de Têmis, representam a justiça. Os rios nada mais são do que as águas do pote de Iemanjá, quando a mesma fugia da perseguição de seu marido Oquê (Okerê) em direção ao mar. As montanhas surgiram como tentativas de Oquê de barrar as águas desses rios. Elas são entrecortadas graças ao machado de Xangô, que rompeu as barragens com ele para defender Iemanjá durante sua fuga.

Os mitos nos permitem falar de outra forma daquilo que passa dentro de nós. Representados do lado de fora a gente acha graça, acha injusto, trágico ou cômico. Tudo isso, marca  nossa condição humana. Projetamos para fora o que vai dentro de nós. As traições de Zeus são as nossas traições, o desejo de Midas são os nossos desejos, a fúria de Netuno são iguais às nossas... Entender essas narrativas é entender o próprio ser humano e sua trama ao longo da história.

Imagem de Margit Wallner por Pixabay 

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  1. Excelente texto. A mitologia, através dos deuses e entidades, continua influenciando nossa existência. Nossos sentimentos, emoções e medos são mostrados através das ações e ofícios dos mesmos. São modelos perfeitos daquilo que sonhamos ser. Muitos questionamentos encontramos respostas na mitologia. Vale a pena conhecer os mitos e beber nessa fonte original.

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  2. Adoooro mitologia e seus textos ajudam entender melhor sobre tal assunto. Parabéns e obrigada

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  3. A mitologia grega é muito rica e pode ser aplicada hoje. Aristóteles quando conta que fomos criados perfeitos , com quatro braços, quatro pernas e duas cabeças e redondos. O atrevimento de conhecer o Olimpo, enfurece Deus que cortar os seres perfeito ao meio. E vai aquele monte de metade de humanos. A eterna procura da outra metade é o castigo. Ou seja a cara metade ou a metade da laranja. Muito bom filosofia e suas alegorias.

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  4. Que fantástico! Que bom aprender com o Sr sobre mitologia! Concordo que os mitos são tentativas de compreensão da realidade, do que muitas vezes não conseguimos explicar! Gratidão por mais essa partilha!

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  5. ..."Os mitos nos permitem falar de outra forma daquilo que passa dentro de nós"..

    Amo a mitologia grega!

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