Neruda: Poeta apaixonado pela vida!

  Falar sobre Pablo Neruda é falar sobre um homem apaixonado pela vida, pela natureza e pelo seu povo. Ele nasceu no Chile no dia 12 de julh...

 


Falar sobre Pablo Neruda é falar sobre um homem apaixonado pela vida, pela natureza e pelo seu povo. Ele nasceu no Chile no dia 12 de julho de 1904. Seu pai era ferroviário. A mãe, ele a perdeu com um mês de vida, vitimada pela tuberculose. Ao falar de sua infância no livro, “Confesso que vivi,” ele afirmou que o único personagem que marcou sua infância foi a chuva:

“A grande chuva austral que cai como catarata do polo, desde o céu do cabo de Hornos até a fronteira. Nesta fronteira, o Far West de minha pátria nasci para a vida, para a terra, para a poesia e para a chuva”.

Seu olhar poético para as pequenas coisas faz de seu texto uma obra de arte. As gotas de chuva caindo eram “fios compridos como agulhas de vidro que se partiam nos tetos.” E o Coleóptero de la Luma (inseto de coloração metálica), era um “relâmpago vestido de arco-íris”. Diante de seu olhar poético um simples tronco podre se transformava em tesouro:

 “Um tronco podre, que tesouro! Fungos negros e azuis deram-lhe orelhas, plantas parasitas vermelhas cobriram-no de rubis, outras plantas preguiçosas emprestaram-lhe seus filamentos e brota veloz, uma cobra de suas entranhas podres como uma emanação, como se do tronco morto lhe escapasse a alma...”

Sobre o pai ele afirmou:

“Meu pai era o maquinista do trem. Estava acostumado a mandar e a obedecer. Às vezes, me levava com ele. Quebrávamos pedra em Boroa, coração silvestre da fronteira, cenário de terríveis combates entre espanhóis e araucanos (1). A natureza ali me dava uma espécie de embriaguez. Atraíam-me os pássaros, os escaravelhos, os ovos de perdiz...”

Sobre a mãe, comenta que a viu, apenas, num retrato na casa vizinha do Sr. Mason: 

“Ali havia um retrato de minha mãe. Era uma senhora vestida de negro, delgada e pensativa. Disseram-me que ela escrevia versos, mas nunca os vi. Dela, só vi aquele belo retrato...”

Em 1910, com seis anos de idade, Neruda entrou para o Liceu, “um vasto casarão com salas desarrumadas e subterrâneos sombrios”. Já nesse tempo, os livros começaram a lhe interessar. Seus primeiros amores aconteceram por causa da paixão pela escrita. Na adolescência, fazendo favor a um amigo, passou a escrever para ele, algumas cartas amorosas, destinadas à Blanca Wilson, filha do ferreiro. Um dia a menina perguntou-lhe, se ele seria o autor das cartas. Respondeu que sim.

“Não me atrevi a renegar minhas obras e, muito perturbado, respondi que sim. Então, ela me deu um doce de marmelo que, é claro, não quis comer e guardei como um tesouro. Afastado assim meu companheiro do coração da menina, continuei escrevendo intermináveis cartas de amor e recebendo doces de marmelo.” Talvez, o amor e a natureza tenham sido, desde muito cedo, as jazidas de minha poesia, afirmou.

Certa ocasião, seu pai conseguiu uma casa no litoral para que a família pudesse passar alguns dias. Nos relatos da viagem, Neruda descreve o encontro com os Araucanos, povo indígena que habitava o local antes da chegada dos espanhóis: “Os Índios Araucanos, com seus trajes rituais e sua majestade ancestral, esperavam nas estações para vender aos passageiros carneiros, galinhas, ovos e tecidos”. Muitos lugares ao sul do Chile herdaram seus nomes desse povo. “Esses nomes araucanos sempre significava algo delicioso: mel escondido, lagoa ou rio perto de um bosque, ou monte com nome de pássaro”.

Na casa de Dom Horácio Pacheco, um grande agricultor, onde a família permaneceu durante um mês, Neruda ficou encantado com as amapolas e as madressilvas:

“Naquela casa, tudo era misterioso para mim. A não ser minha insignificante pessoa, ninguém entrava nunca na solidão sombria onde cresciam as heras as madressilva e minha poesia”. Quanto às amapolas afirmou:

“Algumas eram grandes e brancas como pombas; outras, escarlates como gotas de sangue, ou cor de amora e negras como viúvas esquecidas...”

Quando vi o Filme “O Carteiro e o Poeta” – 1994 - dirigido por Michael Radford, que fala de Pablo Neruda vivendo no exílio, fiquei fascinado com a trilha sonora do mesmo. Uma das músicas que aparece no filme, algumas vezes, é o tango “Madreselva”, do argentino Francisco Canaro. Só agora, lendo as memórias do poeta é que percebi o quanto tudo isso fez parte de sua vida. As flores, a lua, as árvores, as pedras, o mar e tantas outras realidades compuseram o cenário para o artista.

O primeiro contato com o mar deixou atônito o nosso poeta:

“O que me assustava era o momento apocalíptico em que meu pai nos ordenava o banho de mar de cada dia. Longe das ondas gigantescas, a água nos salpicava, a minha irmã Laura e a mim, com seus látegos de frio E acreditávamos, trêmulos, que o dedo de uma onda nos arrastaria até as montanhas do mar. Com os dentes batendo e as costelas arroxeadas nos dispúnhamos, minha irmã e eu, de mãos dadas, a morrer, quando soava o apito ferroviário e meu pai nos ordenava sair do martírio...”

Os primeiros anos de sua vida foram passados entre os invernos de Temuco a as estiagens do litoral. Quando aprendeu a montar à cavalo saia a passear e percorria praias desertas e florestas igualmente desertas. De vez em quando, deparava-se com “uma árvore florida, vestida de escarlate como um arcebispo imenso das montanhas e com tantas outras belas e desconhecidas”. Por praias infinitas e montes emaranhados começou a sua poesia dialogando com a terra mais solitária do mundo!

1-Os araucanos são um povo da América Latina que recebeu esse nome dos espanhóis porque viviam no vale de Arauco, no Chile, e também são conhecidos como mapuches (na língua araucana) e aucas (no idioma quíchua).

Imagem de bernswaelz por Pixabay  - Foto da Madressilva ou Madresselva

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