Maria Fumegante

  Aquela semana custou a passar e à medida que o tempo passava nosso coração batia mais forte. Eu disse bem: - Os nossos corações! Naquele t...

 


Aquela semana custou a passar e à medida que o tempo passava nosso coração batia mais forte. Eu disse bem: - Os nossos corações! Naquele tempo, as famílias não economizavam em filhos. Facilmente, a gente formava um time de meninos para um campeonato de várzea. Eu que nunca fui bom de bola era o último a ser tirado na hora da segunda divisão. Quando já não havia mais ninguém o capitão do time dizia: O Gabriel vem pra cá! E eu, simplesmente, obedecia. Às vezes, só na metade do jogo distinguia quem era do meu time ou do time adversário. Muitas vezes, driblava um companheiro do meu próprio time e, naturalmente, levava alguns xingamentos. Em jogos amistosos, ciente que sobraria na turma, optava por pisar nas “espumas de sapo” que se formavam nas moitas após os tempos chuvosos.

Mas, aquela semana foi diferente. Era época de eleição e a gente recebia a visita de muitos candidatos. Eu chegava a pensar que alguns gostavam de nós, pois chegavam demonstrando intimidade e até chamava meu pai pelo nome... Tempo de eleição a coisa se esquentava. Os candidatos contratavam duplas caipiras para shows. Foi assim que fiquei conhecendo o Trio Parada Dura, Gino e Geno e outros. Os shows, normalmente, aconteciam ao cair da tarde num campo de futebol ou no pasto mesmo. O local era enfeitado com arcos de bambus, bandeirinhas e balões. Um caminhão saia juntando o povo para o espetáculo. Tudo de graça, é claro! Aquilo para nós era um evento! Depois do show a moçada procurava imitar o jeito de vestir dos cantores e até o tipo do cabelo dos mesmos. Ainda me lembro da calça xadrez, da calça boca de sino e do sapato com uma espécie de salto. Era pura ostentação! Mas, como ninguém vive só de arte após as apresentações a gente ganhava sanduiches, refrigerantes quentes e outras guloseimas. Geladeira a gente só conhecia nas fotos.

O transporte para os shows era de graça e “cavalo dado não se olha os dentes”, concorda? Naquele final de semana, o político mandou um caminhão leiteiro buscar a galera. E fomos assentados sobre as latas mesmo. O que não faltava era poeira nos olhos e sereno nas orelhas. Mas, aquilo tudo foi uma festa! Presentes a gente também ganhou: Camiseta de Elizeu Resende, Magalhães Pinto e outros cujos nomes não me lembro. Já naquela época, Magalhães Pinto era careca. O calor era tanto que até sua foto na camiseta, suava debaixo do sol. Sempre fomos democratas. Vestíamos, igualmente,  camisas de partidos diferentes. Na mesma casa um estava com camisa do  “Arena”  e outros do “MDB”, que era apelidado de “Manda Brasa”. Até hoje não sei direito a razão dessa alcunha!

Os comícios aconteciam antes e no meio dos shows. Eu, particularmente, gostava de ver que alguns babavam no canto da boca de tanto falar. Como a gente não perdia nenhum comício também não distinguia bem um partido do outro. Entre o Movimento Democrático Brasileiro, o tal “Manda Brasa” e o “Aliança Renovadora Nacional”, o ARENA, a gente não sabia quem tinha mais razão e acaba votando naquele que desse mais camisas para gente usar roçando os pastos. Assim, durante o trabalho havia camisetas de todos os partidos. Quando as doações eram mais generosas a gente podia formar os dois times com camisas dos diferentes partidos. Era brigalhada só! Reproduzíamos no campo o que aconteciam nos parlamentos.

Naquele dia que fomos de caminhão leiteiro para o comício, Dona Sinhá (o nome é fictício) quis fazer uma surpresa no candidato Caô Caô (nome também fictício).  Encheu o seu bule esmaltado de café e levou um foguete escondido debaixo da saia rodada. Chegando ao local do show tirou o foguete dos bolsos e, enquanto segurava o bule de café com uma das mãos, pediu ao marido que botasse fogo no estopim. Acontece que por excesso de emoção ela acabou segurando o foguete com o cano virado para baixo. Assim que o fogo acendeu todos viram uma grande explosão. Por pouco, ela não subiu enquanto o foguete descia! Não ficou nenhuma gota de café no bule nem para contar a história. Ela que era morena cor de cuia, ficou da cor da flor de algodão. Por mais de duas horas ainda saia fumaça de suas intimidades.  Essa história circulou de boca em boca por muito tempo. O político que patrocinou o show não ganhou aquela eleição, mas Dona Sinhá ganhou um novo apelido: Maria fumegante!

Imagem de Sylwia Głowska por Pixabay 

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  1. Que delícia de texto! Tenho algumas lembranças desses comícios. Rsrsrs...

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  2. Ah, como eu gostava dos shows. E das camisetas também. Eram tantas que depois de dois anos, ainda estavam novinhas. Tempos idos, graças a Deus.

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  3. Que bela memória!!! Uallll. Viajei no tempo agora: calca boca de sino, comícios/shows,os nomes dos partidos políticos( me lembro do Arena), Magalhães Pinto .... Agora a Dona Sinhá foi otima!!!!

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  4. Gostei dessa demais pois destas coisas eu já participei de várias Valeu padre Gabriel

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  5. Kkkkk ADORO suas memórias. Rindo até agora. Padre, eu também na escola era a primeira a ser queimada nos jogos morria de medo da bola.Muito gostoso recordar.

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  6. .."Essa história circulou de boca em boca por muito tempo. O político que patrocinou o show não ganhou aquela eleição, mas Dona Sinhá ganhou um novo apelido: Maria fumegante!".. Coitada meu Deus!

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  7. Kkk... nossa vida realmente passa muito rápido, ó tempo bom que não volta mais, que bom que tem a história e alguém pra contar...

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  8. Amei o texto, como sempre arrancando muitas gargalhadas.

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