Um coração remendado

 

Certa vez, apareceu na aldeia, um belo jovem todo orgulhoso porque, segundo diziam, ele possuía o mais belo coração da redondeza. O seu  aspecto físico  chamava a atenção de todos. Era alto e possuía cabelos compridos e uma barba bem feita. Naquele tempo, as pessoas tinham o dom de ver os corações. De fato, o seu coração era perfeito! Não possuía rugas nem rachaduras; de coloração vermelho encarnado, parecia pintado por um grande artista. Mas, enquanto todos miravam o coração daquele jovem, surgiu um homem no local, dizendo que seu coração, era ainda mais belo do que o coração daquele jovem. Todos riram quando olharam o seu velho coração. Aquilo mais parecia um mosaico de tantos remendos e furos. Além do mais, estava descorado e batia muito lentamente. Movido pela curiosidade, o jovem questionou a afirmação do homem: Como o senhor pode dizer que esse molambo tremente é mais belo do que a obra de arte que trago no peito? Então, o homem explicou: Já vivi muito e convivi com diversas pessoas boas e más.  Para cada uma delas, dei um pedacinho do meu coração. Algumas ficaram de retribuir-me com o coração delas mas, acabaram não cumprindo o prometido. Por isso, meu coração apresenta certas falhas. Cada uma dessas falhas é um pedaço que tirei para oferecer aos outros e nada recebi em troca. Os remendos que você vê são partes de corações dos outros que recebi. Hoje o meu coração é um verdadeiro mosaico e, por ser, uma mistura de muitos corações perdeu até mesmo sua cor original. Do lado direito ele tem uma abertura que muito me alegra. Ela foi causada pela lança de um soldado que me desferiu um golpe de misericórdia. Sobre ele derramei o resto do meu sangue quando ainda vivia nessa terra. Naquele momento todos se calaram e perceberam que o homem não era outro senão o crucificado. Mas, antes que alguém lhe fizesse mais perguntas ele acabou desaparecendo em meio à multidão...

O relato acima me permite questioná-lo: Como é o seu coração? Se as pessoas pudessem vê-lo dentro do peito como elas o veriam? O seu coração também é “remendado” ou, de tão duro, nunca foi penetrado por nada e por ninguém? Você sabe o que significa a palavra misericórdia?

Ter misericórdia, é sentir com o coração, a dor do outro. É colocar-se, no lugar dele não para julgá-lo ou condená-lo. Para isso, já existe gente demais! É perceber sua fraqueza e procurar compreendê-lo. Jesus fez isso, com a mulher adúltera (Jo 8, 1-11); quando todos estavam dispostos a apedrejá-la, Jesus a perdoou. Mostrou isso com a parábola do bom samaritano que socorreu um caído na beira da estrada (Lc 10, 25- 37); quando todos o ignoravam ele o acolheu e lhe deu atenção. Quem age com misericórdia não julga e nem condena. "É melhor desculpar do que acusar. Quando condenamos uma pessoa ficamos sem tempo para amá-la" (1).

O mundo atual valoriza muito a cultura da aparência. Cada dia surge um novo produto de beleza prometendo eterna juventude aos usuários. As cirurgias estéticas se multiplicam e alguns se matam para aparentar mais jovens. Não quero julgar o comportamento de ninguém pois, cada um tem a liberdade de buscar o que irá contribuir para sua felicidade. Mas, às vezes, me pergunto: E nossos corações como estão? Não adianta ser “por fora bela viola e por dentro pão bolorento”. Melhor seria cuidar da beleza integral e não apenas da aparência física. Além do mais, devemos concluir que cada idade tem a sua beleza. Deus é generoso para conosco. Às vezes, perdemos aqui e ganhamos acolá. As rugas e os cabelos brancos também são belos, pois mostram o quanto já vivemos e doamos, aos outros, partes de nossos corações.

De vez em quando, seria bom se perguntássemos a nós mesmos: Como nos relacionamos com a  beleza? Com seu rosto, todo enrugado, Santa Tereza de Calcutá, talvez, pudesse nos ensinar algo, nesse sentido: “Não ame pela beleza, pois um dia ela acaba. Não ame por admiração, pois um dia você se decepciona. Ame apenas, pois o tempo nunca pode acabar com um amor sem explicação.”

Pense nisso!

 1- Maasburg, Leo. Madre Tereza: Uma vida maravilhosa. SP, Paulinas, 2015.

A estória acima foi baseada na parábola “O coração mais belo” de Alexandre Rangel: As mais belas parábolas de todos os tempos, Vol III. Petrópolis, Vozes-  2015

Imagem de Gerd Altmann por Pixabay