Socorro, uma mulher morta em pé

  Aquele casarão se parecia mais às residências dos barões do café no período colonial. Era vistoso com janelas grandes e um assoalho genero...

 


Aquele casarão se parecia mais às residências dos barões do café no período colonial. Era vistoso com janelas grandes e um assoalho generoso onde se guardavam as montarias dos cavalos. Na parte da frente havia um alpendrezinho acanhado que se parecia um rabo de peixe em forma de V. Ali se pendurava umas plantinhas tristes que não cumpriam o dever de enfeitar o ambiente. Do salão para a cozinha havia uma escada de madeira recostada num pequeno beiral onde se colocava de tudo. É sobre esse beiral, transformado em  “guarda fármacos” que vou comentar. Havia sobre ele uma centena de caixas de remédios, quase todas vazias, com tamanhos e cores diferentes.

A dona da casa, uma matrona, com pose de rica, tinha mania de doença, era hipocondríaca.  Esse era o assunto de sua predileção e sobre doenças discorria a tarde toda, caso a visita tivesse paciência de ouvir. A ladainha começava já no início: Como vai Dona Socorro? – Iche, menino, essa semana quase morri. Sinto uma dor que não dá alivio. Às vezes, ela muda de lugar. Mas, o doutor Bidão (Elias Abdon, na verdade!) me disse que isso é normal para quem tem problemas na coluna. A senhora tem problemas de coluna? – E eu não te contei? Minha coluna está podre! Às vezes, subo essa escada de gatinho... Nessa altura da conversa ela remexe as cadeiras e bota as mãos no quadril. – Sinto uma dor que começa aqui nesse ponto, vai subindo e descendo, pelo nervo asiático (Ciático, na verdade!) sem parar! – E quando isso piora qual o medicamento a senhora toma? Aí ela aponta o beiral e diz: - Olha que eu já tomei tudo aquilo! Até as ampolas quebradas estavam depositadas ali! Meu Deus! Então, a senhora não está nada bem! Nesse momento os olhos dela brilham! É, mas o que se há de fazer? Já tentei até me aposentar, mas não passei no exame, reclama com ar de injustiçada.

Dona Socorro já teve de tudo! Outro dia cheguei a enumerar umas setenta doenças que ela me relatou sem perceber que eu contava. De unha encravada a espinhela caída, não faltou nada em seu diagnóstico. Apesar disso, não tem problemas de apetite. Razão pela qual, está sempre acima do peso. Para piorar as coisas adora fazer doces. Mexe e remexe aquele tacho o dia todo mesmo com a “coluna podre”. Seu marido Félix é o homem mais infeliz do mundo! Só de encostar na Socorro ela grita, reclama Seu Félix. Apesar disso, tiveram sete filhos bem criados, sem encostar um no outro, naturalmente. Em razão desse currículo, era para Socorro estar desnutrida, mas nada! Anda mais viçosa do que nunca! O seu jeito de se vestir já rendeu alguns comentários maldosos na vila. Mas, o povo fala demais! Como puderam colocar malícia na vida de uma mulher que anda morta em pé?

Seu Félix não dava ouvidos à ralé. Para ele sua mulher era uma verdadeira santa, embora não soubesse rezar direito. Mas, ninguém é perfeito! Socorro me flechou com seu olhar, desde a primeira vez que a vi, confessa o maridão. Ciente desse amor à prova de balas Socorro também elogia o marido: - O Félix seria perfeito se não gostasse tanto de uma caninha! É isso que acaba com a saúde dele, completa a conversa com sua temática preferida.

A vizinhança procurava o casarão quando precisava de qualquer informação medicamentosa. Socorro tornara-se uma espécie de médica informal, pois já havia lido tantas bulas de remédio que poderia prescrever, sem erro, até a dose certa de cada um, conforme os casos iam surgindo. A bem da verdade, ela própria já havia experimentado todos eles. Por isso, poderia prescrevê-los a terceiros. Só equivocara uma vez, quando estava sem condições de atendimento por causa do “nervo asiático” que, naquele dia, reclamava demais. Sua dor começava na Ásia, passava pela Europa e parava bem na sua perna esquerda. Algum ser vivo pode suportar isso? Sem querer “receitou” um remédio para "gôgo" de galinhas para Dona Elvira. Mas, se  o remédio não fez bem, mal também não fez. Segundo informações dos vizinhos Dona Elvira vai bem, obrigado. Só emite alguns  piados em passagens de lua. Mania dela para chamar a atenção... Só pode ser!

Imagem de Michal Jarmoluk por Pixabay 

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  1. Foi bom que dei uma faxina na cesta de medicamentos de meu uso diário..hipertensão, diabetes e tiróide. Dona Rosa.56 anos. Kkkk

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  2. Kkkkkkk Deus me livre quero chamar ela não kkkkkkk

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  3. Minha mãe é uma dessas kkkk a gente pergunta como esta todo dia arruma uma coisa kkkkk esse nervo asiático então nela é famoso coitada.

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  4. Como diz meu genro tô com medo de ficar assim kkkkk

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  5. Os detalhes são ótimos! Dei boas risadas aqui,pensando em quantas "Dona Socorro", têm por aí.

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  6. Essa aí tá que nem eu não posso passar perto de uma que quero deitar ho coitada

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  7. São essas estórias que fazem voltar no tempo de criança e ver como o mundo muda rápido demais. Lembrei casarões na roça, causos do nosso povo.

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  8. Eu acho que ela deveria fazer o tratamento dela primeiro ela é muito doida

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  9. Meu Deus! Quantas pessoas parecem com Dona Socorro...Só Jesus na causa.Que Deus nos abençoe com saúde e paz...Maria Adélia

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  10. O nervo asiático é o melhor.
    Mas muito real, minha avó é uma que não podemos perguntar como ela está, que já vem logo dizendo que está com várias doenças. Kkkkkkk

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  11. Acho que todas nós conhecemos alguém assim! 😳

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