Pensar de graça

 

1- Nessa paleta de aquarela chamada mundo, onde tudo se movimenta e tem data de validade, procuro deixar o meu rastro antes que assinem a tela. Heráclito dizia que a gente não se banha duas vezes no mesmo rio. No segundo mergulho, nem o rio e nem nós, somos mais os mesmos. O relógio avança, o planeta gira e o tempo passa... Como encontrar algo de permanente nessa eterna ebulição?

2- A escuridão engole a variedade das cores. Durante a noite as flores perdem identidade? O transito noturno se assemelha aos vaga-lumes em seus rituais. Embora, esses sejam bem mais graciosos pois,  não roncam nem produzem fuligem...

3- O sol da manhã ilumina, primeiro, as copas das árvores. Mas, a nenhuma plantinha, fica sem sua luz ao longo do dia. O ipê amarelo se banha em gema de ovo no mês de setembro. O sol da tarde só perde em beleza para a barra do dia. O sol fulgurante da manhã me refaz e o sol desmaiado da tarde me deixa  enfastiado...

4- A natureza tem que ser deformada para caber nos meus olhos. O meu olhar que me engana quando faz neblina e fumaça parecer a mesma coisa, embora eu saiba que céu e inferno não se misturam...

5- Uma seca torre de metal, fruto da engenhosidade humana, permite um homem dar bom dia ao outro, do outro lado do mundo. Um bom dia bem seco, na verdade!

6- Por mais que eu busque entender, ninguém ainda me explicou porque o peixe não morre afogado e o morcego nunca se engasga ao sugar o sangue de cabeça para baixo... Porque o vento, que é puro silêncio, produz música no bambuzal?

7- Imagino que a porta do céu seja uma cortina de neblina branca para apagar, aos poucos, as coisas de um lado e clarear, aos poucos, as do outro lado. Saudade é algo que nasce do vazio. De que sentiria saudade alguém que já atravessou essa cortina? Alguém me perguntou certo dia: Como você gostaria de morrer? - De pronto respondi: Quem lhe disse que eu gostaria? Talvez, a morte não seja nada mais do que um intervalo entre um dia e outro. Porque ter medo dela se morremos diversas vezes num único dia?

8- O tempo para Homero ou para mim é sempre a mesma coisa. A diferença entre nós é que ele deixou uma obra imortal. O que me consola nisso tudo? - O eucalipto, que quase alcançou as nuvens em apenas dez anos, não é mais importante que a sucupira que, em dez anos, cresceu menos de um palmo!

Imagem de Kittidet Ratchata por Pixabay