Uma feia briga por causa de mulher feia
No Conto “Corpo Fechado”, o sétimo, do Livro “Sagarana,” de Guimarães Rosa, Miguel Fulô e Targino se envolveram numa grande briga que resu...
No Conto “Corpo Fechado”, o sétimo, do Livro “Sagarana,” de
Guimarães Rosa, Miguel Fulô e Targino se envolveram numa grande briga que
resultou na morte do último, tudo por causa de “das Dor”, ou Maria das Dores,
que nem era uma mulher bonita mas, “apenas sacudidona, boazinha e
trabalhadeira...”.
Targino, o maior valentão das redondezas, “era magro, feio, de cara esverdeada. Usava botinas e meias, e
ligas que prendiam as meias por cima dos canos das calças”. O homem era mesmo
um bicho e onde passava aterrorizava a todos. Quanto ao Manuel Fulô, esse
era um “sujeito pingadinho, quase menino – pepino que encorujou desde pequeno –
cara de bobo de fazenda, do segundo tipo – porque toda fazenda tem o seu bobo , que é, ou um velhote baixote, de
barba rara no queixo, ou um eterno rapazola, meio surdo, gago, glabro e alvar”.
Gostava de mostrar brabeza e quase não sorria. O tempo todo dizia ser "descendente dos Peixotos", uma família de valentões, quando, na verdade, pertencia à apócrifa
família Véiga, de tropeiros fracassados. Seu verdadeiro nome era Manuel Veiga –
vulgo Manuel Flor, melhormente Mané Fulô, às vezes, das moças, ou ainda, quando xingado, Mané- minha égua. Não gostava de trabalhar e, se pudesse, mataria quem
inventou o trabalho!
Antes de conhecer a dar Dor, a paixão de Manuel era sua
mulinha “Beija-Flor”. Esse amor acabou ficando dividido entre as duas. Para
aprender malandragem nos negócios Manuel conviveu uma temporada com os ciganos.
Com eles aprendeu a vender e comprar cavalos. Chegou a “passar a perna” nos
próprios ciganos vendendo para os mesmo os cavalos “Ventarola” e “Furta-Moça” ,
ambos com defeitos.
A monotonia era parte integrante nas vilas dos sertões de Minas. No Arraial da Laginha, onde residia Manuel, por exemplo, quase nada acontecia. Durante as noites só se ouvia os sons dos bichos. E os moradores, o que faziam? –“ lavavam os pés, comiam leite e dormiam...” Apenas durante os domingos alguma movimentação de cavaleiros acontecia por lá. Quanto aos valentões, eles sempre existiram. Mas, na verdade, era um de cada vez, pois dois valentões não conviviam no mesmo espaço.
Apesar saber que Manuel ia se casar com
das Dor, Targino resolveu aparecer só para insultar. Mandou dizer ao Manuel que
iria passar uma noite com sua noiva antes do casamento. Disse ainda que era
para ele ficar quietinho, caso contrário seria um homem morto. O comunicado foi
nesses termos:
“Escuta Mané Fulô: A
coisa é que eu gostei da das Dor, e venho visitar sua noiva , amanhã... Já
mandei recado, avisando a ela. É um dia só, depois vocês pode se casar... Se
você ficar quieto, não te faço nada... Se não... – E Targino com o indicador da mão direita ,
deu um tiro mímico no meu pobre amigo, rindo, rindo, com gelidez de um carrasco
mandchu. Então, sem mais cortesias , virou-se e foi-se”.
Depois daquele comunicado fatídico, toda a coragem de Mané
Fulô foi-se embora. Tremia feito vara verde com medo de Targino. Chegou mesmo a
esquecer, que era descendente dos Peixotos, como gostava de afirmar....
Morava nas proximidades da Laginha um tal Toniquinho das
Pedras, ou Tonico das Águas que tinha fama por ser feiticeiro. Ele tinha uma
cela mexicana bonita, mas não tinha cavalos. Manuel Fulô, desejava comprar sua
cela para com ela enfeitar o lombo de sua mula Beija Flor. Toquinho, por sua vez,
queria comprar a mula de Manuel. Por causa desse conflito de interesses o
negócio nunca ia pra frente de lado nenhum. Manuel tinha ódio de Toniquinho
das Pedras:
“Tenho ódio dele
mesmo. É um sujeito sem préstimo, sem aquela-coisa na cara... É o pior pedreiro
do arraial , não sabe nem plantar uma parede. Só sabe é fazer feitiço, vender
garrafada de raiz do mato, e rezar reza brava. Tem partes com o porco-sujo...
Não presta! Gente assim não devia de ter!”
O mundo dá muitas voltas e às vezes nos surpreende. Na hora
do aperto, ameaçado por Targino que queria ficar com sua noiva antes que ela se casasse,
adivinha quem socorreu Manuel Fulô? – Isso mesmo! Tonico das Pedras. Antes do “Far-West” Tonico das Pedras o procurou propondo-lhe uma parceria. Iria “fechar o
corpo” dele para que pudesse enfrentar Targino. Em troca ficaria com sua mula Beija-Flor. Proposta irrecusável! E foi assim que
após uma briga cinematográfica na pracinha do arraial, onde nada acontecia, que o
pior ou melhor (depende do lado de quem olha) aconteceu: Manuel Fulô, esfaqueou
o Targino, assumindo assim, o seu posto de valentão, um “verdadeiro” sangue dos
Peixotos... Depois disso tudo resolvido a festança foi tamanha que o casamento com das Dor só aconteceu
após um mês. De vez em quando, só para matar a saudade, Manuel Fulô pegava
a mulinha emprestada com Tonico das Pedras e bebendo uns goles dava uns
tiros pra cima só para garantir o posto de valentão. E viva a vida!
Gosto muito do regionalismo de João Guimarães Rosa. Encanta e nos faz recordar dos tempos de criança. Ontem foi aniversário de nascimento do autor. Deve ter tido sarau onde quer que ele esteja. E viva a literatura brasileira!
ResponderExcluir...."Escuta Mané Fulô: A coisa é que eu gostei da das Dor, e venho visitar sua noiva , amanhã... Já mandei recado, avisando a ela. É um dia só, depois vocês pode se casar... Se você ficar quieto, não te faço nada... Se não... "
ResponderExcluirRsrsrsrs
Na verdade o medo faz coisas espantosas o fraco consentiu perder a mulinha que amava para poder ter chance de encarar o valentão.....se o corpo dele ficou fechado ou não nunca saberemos, o fato é que ele conseguiu kkkkkkk
ResponderExcluirGuimarães Rosa consegue levar seus leitores aos lugares dos quais ele conta a história e o mesmo acontece com o Padre Gabriel, consegue transformar uma literatura complexa em belas crônicas viciantes, parabéns!
ResponderExcluirEsse é meu "site de cabeceira".
Parabéns pela reflexão
ResponderExcluirMuito bom
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