Laio Salatiel: Um anti herói que ainda vive entre nós
Eulálio de Souza Salatiel, vulgo, Lalinho ou Seu Lálio, personagem do segundo conto de Sagarana, de Guimarães Rosa é o típico malandro que...
Eulálio de Souza Salatiel, vulgo, Lalinho ou Seu Lálio,
personagem do segundo conto de Sagarana, de Guimarães Rosa é o típico malandro
que engana todo mundo e, ao final, acaba se dando bem. Ele nos lembra de outros
anti-heróis de nossa literatura como, Macunaíma, de Mário de Andrade ou “Chicó”, um
clássico mentiroso do “Auto da Compadecida” de Ariano Suassuna ou ainda "Agostinho Carrara", personagem de Pedro Cardoso na Série A Grande Família, da Rede Globo. Poderíamos
colocar ainda nessa mesma gaveta o personagem “Seu Madruga”, de Ramón Antonio
Estebán, uma espécie de malandro que não gostava de trabalhar e, por isso,
nunca honrava os aluguéis além de apresentar uma cara madrugada, ou seja, de
quem virou noitadas...
O anti herói é um herói às avessas cuja maior virtude é a
malandragem. Para se dar bem ele não se importa de “vender a alma”, ou a
esposa, como ocorreu com Lalinho, que deixou Ritinha, sua esposa que o amava, “perdidamente,”
nos braços do espanhol Ramiro, para viver uma aventura no Rio de Janeiro. Assim
como Macunaíma cujo bordão era “ai, que preguiça”, Lalinho também era inimigo
do trabalho. Vivia a contar histórias e inventar situações para fugir do
pesado. Houvesse algum otário por perto acabaria assumindo o pesado em seu
lugar.
O conto situa-se em Minas Gerais onde estava sendo construída
uma estrada de rodagem para ligar o interior a Belo Horizonte. Laio que era um
grande enrolador, chegava sempre atrasado ao serviço e contava tanta lorota que
conseguia embrulhar todo mundo, inclusive Seu Marra, o patrão a quem ele
chamava de “Seu Marrinha”. Sem nunca ter ido ao Rio de Janeiro falava das
mulheres de lá, da vida boêmia, dos espetáculos teatrais... Como tudo não
passava de invenções às vezes, contradizia nas histórias, pois ninguém consegue
contar a mesma mentira muitas vezes sem trocar as peças dos relatos. “Cansado
de trabalhar” Laio, certo dia, resolveu vender a mula e o carroção para viajar
até o Rio de Janeiro. Comunicou o fato ao Sr. Ramiro, um espanhol que andava de
olho na Ritinha. Ciente desse “amor oculto” do espanhol por sua esposa, Seu
Laio, pediu-lhe uma quantia de dinheiro emprestada para a viagem. Para alegria
do espanhol disse-lhe que iria abandonar Ritinha em segredo e que nunca mais
voltaria ao arraial. Ramiro não esperou
duas vezes para lhe emprestar “os cobres” já que essa viagem inesperada iria
deixar livre o caminho de Ritinha.
Ao saber do fato, Ritinha chorou muito no primeiro mês. No
terceiro, já estava nos braços do espanhol. Todo o povo dizia que ela havia
feito um bom negócio. Afinal, Laio não a merecia mesmo... O que Laio aprontou
no Rio de Janeiro é inconfessável aos menores de idade que irão ler esse texto.
Depois de um ano e sem dinheiro Laio voltou feito o filho pródigo do Evangelho.
Aliás, o título do conto é “Traços
Biográficos de Lalino Salatiel ou A Volta do Marido Pródigo”.
Retornando da viagem Laio procurou o espanhol para quitar a
dívida. Pura enrolação, pois não tinha um tostão no bolso. Assustado com sua
volta o espanhol lhe disse que ele não lhe devia mais nada e que “em vista de
certos acontecimentos” a dívida já estava quitada. Laio quis conversar com
Ritinha mas acabou desistindo ao ver que o espanhol Ramiro não estava com cara de
bom amigo. Simplesmente retomou o seu violão que estava sob os cuidados de
Ritinha. Agora o que lhe faltava era o pior: Arranjar serviço! Mas, acabou se
arranjando na política, trabalhando como olheiro para Major Anacleto, “um homem de princípios austeros,
intolerante e difícil de se deixar engambelar...” Aconselhado por seu irmão
Laudônio, o Major acabou contratando o novo cabo eleitoral: “Um mulato desses pode valer ouros... A
gente esquenta a cabeça dele, depois solta em cima dos tais , e sopra...” Agora
o Sr. Eulálio de Souza Salãthiel iria “trabalhar” na política para um Major
influente e teria a companhia de Estevam, o principal capanga do Major para lhe
dar proteção em suas andanças. Nessa missão, ele se abanca. O major não tinha
ninguém para espionar as redondezas e depois “sal da seca é que engorda o gado...”
Na sua nova empreitada Seu Laio, faz e acontece. Tece fofoca,
aproxima e distancia inimigos políticos, acende uma vela para Deus e outra pro
diabo e, ao final das contas teve sua Ritinha de volta.
O Conto de Guimarães Rosa ilustra bem o que ainda acontece
nas profundezas de Minas e do Brasil, onde existem verdadeiros coronéis da
política e em torno deles uma plêiade de bajuladores, remunerados ou não, cuja
função é espionar a vida dos adversários. Quando o coronel perde a eleição eles vagueiam,
quatro anos, pelas ruas como viúvas desamparadas a espera de um novo enlace
matrimonial. Alguns não conseguem esperar o próximo pleito eleitoral e acabam
contraindo núpcias com o líder da oposição. O que há de certo é que essa turma
sobrevoa sempre ao lado do cacique feito siriris em torno da lâmpada acesa.
Eulálio Salatiel não é apenas um homem. É um tipo humano muito presente entre
nós. Pode confessar: Provavelmente, você já conheceu algum tipo assim.
Tomo a liberdade de citar alguns "ditados populares" que colecionei nesse conto:
1, Quem não tem brio engorda! (Expressão usada pelos personagens do conto para criticar a postura folgada de Lalino Salathiel).
2, “P’ ra uns, as vacas morrem... p’ra outros até o boi pega a parir...”
3, Quem não trabuca não manduca ( Eulálio falando para Seu Marra, sobre a necessidade de trabalhar. Pura enrolação!)
4, Você é mesmo maluco, mas mais o mundo não é exato. Se veja... ( Seu Marra falando com Lalinho sobre sua decisão de mudar-se para a cidade grande).
5, Sal da seca é que engorda o gado! (Conversa de Lalinho para enrolar o espanhol que ficou com Maria Rita).
6, Terra com sede, criação com fome... para falar da seca.
Seu Marrinha mudou-se para Divinópolis - Nesse conto Guimarães Rosa cita a Cidade de Divinópolis...
7, Chorou na barriga da mãe... para falar da personalidade de Tio Laudônio – Compadre das coisas, que enxerga no escuro...
8, Gente que pendura o chapéu em asa de corvo e guarda dinheiro em boca de jia... Opinião de Tio Laudônio sobre Lalinho.
9, A gente não deve de esperdiçar choro em antes de ver o defunto morrer... Fala de Lalinho para convencer o Major Anacleto de que ele não era um safado...
Imagem de weeraponn por Pixabay
Vixe Maria. Como tem nos tempos passados , atuais e futuro. Raça e esperteza e cara de pau não terminará. São tipos até engraçado como o famoso pedinte que anda pelas ruas de Itaúna a pedir dois reais, não aceita outro valor. Bobos somos nos, que trabalhando não temos tempo pra ganhar dinheiro.
ResponderExcluirOh Senhor! O pior que é verdade, e eles povoam por aqui! CORONELISMO AINDA EM PLENO SÉCULO XXI.
ResponderExcluirA política é cheia desses personagens pitorescos que, mesmo não entendendo nada do ramo, aprontam uma guerra de intrigas, e pior de tudo, saindo sempre de mãos vazias.
ResponderExcluirComo esses personagens estão presentes no tempo presente , creio que no passado também. Tem muitos coronéis,Lalinhos,Ramiros e Ritinhas também.E nesta " dança da vida", vamos caminhando tentando descobrir quem é quem....
ResponderExcluirÉ tanto Lalinho, malandro, e tantos outros nomes e sobrenomes estão mais presentes do que nunca...
ResponderExcluirJesus tá cheio desses por aí
ResponderExcluirJesus tem muitos desses aí kkk
ResponderExcluirE como tem Lalinho meu Deus!
ResponderExcluirEstão muito enraizados no nosso meio infelizmente.
Mas, acredito que com os novos tempos, vão desaparecer.
Está passando da hora.
É, Padre... Infelizmente, vivemos rodeados de Lalinhos...
ResponderExcluirA política é o seu setor preferido.
Gostei demais da analogia! Parabéns!
Maria do Rosário
Maravilha o texto.
ResponderExcluirMas não distante desse tempo, vivemos ainda por igual nos dias atuais.
"Boi com sede bebe lama....barriga seca não dá sono"
São tempos tristes.
Adorei 👏👏👏👏
ResponderExcluirMaravilha.
ResponderExcluirEste é o verdadeiro malandro e que encontramos neste nosso Brasil , principalmente no interior e a politica interiorana é esta a nossa verdade.Infelizmente.Mas é nossa gente.
ResponderExcluirComo se diz..."o povo tem o governo que merece".
ResponderExcluirEscolheu, agora tem que suportar!
Muito boa reflexão
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