Jesus expulsou o diabo e o jovem voltou a falar

 

O Evangelho nos diz que Jesus expulsou o diabo do moço e ele recuperou sua fala (Mt 9, 32-38). É sobre isso que gostaria de comentar hoje. Ter a capacidade de falar e expressar o que sentimos é coisa de Deus! A língua é veiculo de transmissão de cultura de uma geração à outra. Tirar de uma pessoa ou de um povo a capacidade de falar é um gesto autoritário e diabólico. Antes da colonização, estima-se que no Brasil falava-se mais de 1000 línguas! O que aconteceu com todo esse patrimônio cultural dos povos nativos? Praticamente acabou em consequência de um processo violento de colonização. Tirar a capacidade de expressão facilitava a dominação, pois num contexto de “torre de babel” era muito mais difícil criar articulações de resistência. E as línguas dos diversos povos africanos que aqui chegaram como escravizados, o que aconteceram com elas? Praticamente foram destruídas. Restaram poucos vocábulos que foram incorporados à língua dos dominadores. E com relação à atualidade, o que anda acontecendo?

Existem hoje infinitas possibilidades de comunicação e plataformas que poderiam facilitar esse processo. Apesar disso, ao que parece, estamos nos comunicando cada vez pior. Grande parte das mensagens que circulam no WhatsApp são figurinhas que nada dizem ou textos com menos de 50 caracteres. Todo mundo tem opinião sobre quase tudo. Falamos desde construções de navios à vida em Marte. Mas, nossa comunicação é a morte!   Chega a doer o que vemos circular por essas redes! O que deveria colaborar com um processo de comunicação acaba alienando ainda mais, quando boa parte dos usuários dessas ferramentas acredita e reproduz notícias falsas e sem fundamento. O diabo deve ser o pai da “Fake News”! Não basta usar uma determinada plataforma para passar uma ideia de inclusão digital. É preciso usá-la com discernimento, caso contrário, estaremos sendo usados por ela.

O mesmo texto bíblico em questão nos diz que Jesus teve pena das multidões porque elas estavam cansadas e abatidas como ovelhas sem pastor. A compaixão de Jesus pelas multidões atuais certamente aumentou, pois, além de abatidas e cansadas estão sendo manipuladas e exploradas, muitas vezes, em seu nome. O problema hoje talvez, não seja falta de pastores, e sim falsos pastores! E eles vão desde os pregadores da terra plana aos exorcistas digitais, além daqueles que fazem milagres sob encomenda... Nessa prateleira você encontra de tudo desde que disponha de algum dinheiro. Boa parte dos seguidores acompanham esses picaretas como gado em direção ao matadouro. Perderam a capacidade de expressão e de opinião.  Apenas mugem e seguem cegamente o falso pastor em direção ao campo do abate.

A mitologia grega conhece um personagem do qual vou me valer para ilustrar essa história. Trata-se de Eco, uma ninfa faladeira que foi castigada por Hera,  mulher de Zeus. Certo dia, a ninfa Eco, distraiu Hera com seu falatório, impedindo-a, de dar um flagrante no marido que a traia com outra ninfa no bosque. Ao saber que fora enganada Hera castigou Eco. Já que ela gostava tanto de falar tirou dela essa capacidade. A partir de então, apenas poderia repetir a última frase que alguém lhe dissesse. E foi assim que aconteceu. Eco apaixonou-se por Narciso, mas, quando ele dizia: Eu lhe odeio! Ela apenas repetia: Eu lhe odeio!

E se dizia: Você é terrível, ela repetia: É terrível! Sendo assim, não conseguiu ficar com Narciso nem com ninguém. Acabou refugiando-se nos penhascos onde secou e morreu. Ainda hoje quando alguém grita nas montanhas Eco reproduz a ultima parte desse grito... Tornou-se uma espécie de espírito  sem expressão própria e foi condenada a repetir a última palavra do outro.

No mundo atual existem muitas “Ecos”. São pessoas que apenas repetem os discursos da moda sem nenhuma capacidade crítica para analisar o sentido ou a falta de sentido dos mesmos. Expulsando o diabo do corpo daquele jovem Jesus o devolveu para si mesmo, pois tudo aquilo que nos rouba de nós mesmos acaba sendo algo verdadeiramente diabólico. Pense nisso!

Imagem de Manfred Richter por Pixabay