Como um ladrão...

 

Não deixa de ser estranho que Jesus compare a sua vinda definitiva com a chegada de um ladrão: “Ficai certos: se o dono da casa soubesse a hora em que o ladrão iria chegar, não deixaria que arrombasse a sua casa. Vós também ficai preparados! Porque o Filho do Homem vai chegar na hora em que menos o esperardes” (Lc 12, 39-48). É bem verdade, que coube a um ladrão, abrir a porta do céu, fechada pelo pecado de Adão. Ao lado da cruz de Jesus, havia dois ladrões e a um deles Jesus disse: Hoje mesmo entrarás comigo no paraíso... São os desígnios insondáveis de Deus que não somos capazes de entender nem decifrar.

A morte não deixa de ser um ladrão para quem passou a vida juntando coisas que de nada servem no além. Você não levará para a última morada o seu novo smartphone, sua fazenda de gados, loja ou escritório. Você não levará nem mesmo a roupa do corpo e nem o próprio corpo... Tudo vira farelo com sua morte. Você já pensou nisso? Ela chega sem aviso prévio e, simplesmente, leva você sem pedir permissão a ninguém nem a você mesmo. Então, como driblar esse ladrão sorrateiro que pode nos chegar a qualquer hora? Para ilustrar isso, vou me valer de uma historinha, cujo autor, não me lembro:

Certo homem estava muito preocupado porque fora convocado pelo juiz para prestar contas de seus atos. Então, ele recorreu a três amigos. O primeiro lhe disse que, em virtude de muitos afazeres não poderia acompanha-lo ao tribunal. Apenas o levaria até as portas do fórum. O segundo disse que também não poderia ir, mas iria pagar para ele as despesas da viagem. O terceiro, no entanto, lhe disse: Olhe, eu vou com você até ao local do julgamento e, se preciso for dou um testemunho que lhe seja favorável diante do magistrado. Agora vou revelar a você qual era o nome desses amigos: O primeiro é a família. Depois de sua morte ela acompanha o seu cortejo fúnebre até o cemitério e depois disso, nada mais pode fazer. O segundo amigo é o dinheiro. Ele só serve para pagar os custos funerários, atualmente, cada vez mais exorbitantes. O terceiro amigo são as boas obras. Essas atravessam os portões das sepulturas e nos acompanham até o Supremo Juiz que é Deus. Eles depõem em nosso favor. A família e os amigos ajudam, o dinheiro também serve para alguma coisa. Mas, nada disso nos acompanha para a eternidade. Somente as boas ações poderão nos ajudar nessa viagem.

Os gregos antigos, temerosos pela sorte do falecido, costumavam colocar uma moeda na boca dos mesmos. Eles chamavam isso de “óbolo de Caronte”. De acordo com a mitologia, Caronte era um barqueiro encarquilhado e mal-humorado que cobrava a passagem dos mortos para atravessá-los de barco para o outro lado da vida. O Rio Cócito, um afluente do Aqueronte, servia de comunicação com os infernos. Suas águas eram formadas pelas lágrimas dos culpados. As almas dos corpos que não receberam os ritos fúnebres aguardavam um período de cem anos para serem atravessadas. Então, só restavam a tais almas penadas o choro e as lágrimas que faziam aumentar ás águas do rio.

Ainda bem que “nossa passagem” já foi paga por Cristo com sua morte na cruz. Além do mais, nada poderia ser usado, por nós, como moeda de troca pelo passaporte da eternidade.   A Igreja, quando percebe que alguém está próximo de realizar essa viagem, pode preparar o viajante ministrando-lhe os últimos sacramentos. A isso chamamos “viático”, ou seja, suporte para os viajantes. Mas, bom seria, que estivéssemos preparados para partir a qualquer hora do dia ou da noite. Por isso, o Evangelho nos aconselha: Estejam com os rins cingidos! Essa expressão equivale a outra que é muito usada em nossos dias: “É preciso amarrar as calças!” Quem está prestes a viajar não pode descuidar do cinto. Caso contrário, a calça pode cair. Cingir os rins era apertar a túnica com um cinto pois, naquele tempo, não se usava calças como atualmente. Então, ouçamos o conselho de Jesus que, numa versão atualizada, ficaria assim: Apertemos os cintos! Estamos prestes a partir para uma longa viagem! Nada daquilo, que vale tanto nesse mundo, poderá nos auxiliar em tal viagem. Somente aquilo que fazemos de bom, poderá nos acompanhar. Então, não percamos o tempo com aquilo que morre com o tempo. Acatemos, hoje mesmo, o conselho de Jesus: “Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam; porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração (Mt 6, 19-21).

Imagem de Artie_Navarre por Pixabay