A casa do morto
Por algum tempo aquele local permaneceu fechado. Por pouco tempo, na verdade. Chocada pelo fato recente a família do morto teve que espera...

Por algum tempo aquele local permaneceu fechado. Por pouco
tempo, na verdade. Chocada pelo fato recente a família do morto teve que
esperar uma decantação dos sentimentos para encarar a nova realidade. E a
realidade se impunha de forma imperativa: A casa do morto deveria ser aberta!
Em vida ele já era meio esquecido e só agora, na morte lembravam-se dele.
Alguns diziam que ele havia parado no tempo , o que tinha um fundo de verdade pois, diferente dos
outros, nunca adotou o axioma do “times is Money”. Naquelas alturas da vida, restava-lhe apenas
um casal de irmãos. Uma estava doente e o outro morava no Rio, Rio do Peixe, um
povoado escondido entre as montanhas de Minas.
Decorrido o tempo de dois meses e movidos mais pela
curiosidade que pela amizade uma turminha resolveu abri a casa do morto. Entre
eles a irmã, alguns curiosos e uma cunhada. O morto não deixou filhos e
enviuvara ainda jovem, de tal maneira que, vivia sozinho. Naquela casa sombria sua memória permanecia
grudada nas paredes e móveis. Pela fresta da janela de madeira um raio de luz
iluminava a camisa listrada já empoeirada sobre a cama. Sobre a mesa do canto
uma caneta tinteiro e um copo ainda sujo de café evocavam a presença de alguém
que se ausentava em definitivo. Aquele quarto nunca mais seria o mesmo, foi a constatação de todos. O cachorro de estimação adoeceu e acabou sendo
adotado pelos vizinhos enquanto as
plantas secavam por falta de água.
Coitado de Zoé, disse a cunhada, nem teve tempo de guardar os
sapatos! Afirmou com muito esforço para
emitir um suspiro “entrecortado de dor”. Por mais que se esforçasse nenhuma lágrima generosa brotou-lhe
nos olhos... Zoé era alcunha de Zoroastro Elói Firmeza. Mas, da firmeza antiga
agora só restaram sombras espalhadas pelos becos da casa.
Refeitos do impacto inicial, aquele grupinho de gente deu
logo um jeito na casa: Removeram roupas queimaram o que não servia, tiraram o
lixo e as teias de aranhas. Dentro do velho cofre nada encontraram de valor
para aumentar a tristeza dos presentes. Só encontraram velhos documentos, fotos
amareladas e uma coleção de notas antigas. Uma das fotos foi guardada para a
lápide. Abaixo da mesma, uma frase poética: Aqui
jaz Zoé, um homem de fé... Ninguém entendeu a razão dos três pontinhos depois
da fé. Parecia que o morto tinha algo
mais a dizer sobre si mesmo.
A casa que fora de Zoé, apesar de varrida e limpa, continuava abrigando apenas o silencio. No
alto da parede da sala uma lagartixa azulada observava tudo com indiferença. No
dia seguinte à operação limpeza, o galo voltou a cantar, o sol nasceu na mesma
hora de sempre e tudo continuou o seu curso normal como se Zoé nunca tivesse
existido.
Imagem de Hands off my tags! Michael Gaida por Pixabay
..."Quando eu morrer, eu quero uma batucada.pra me levar pra a minha última morada.." Assim no Céu terei felicidade e naquelas coisas da vida eu não sentirei saudades..."
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