O diabo roubador de línguas
Começo meu texto citando uma passagem bíblica de Mateus (Mt 9, 32 -38), embora, não seja sobre ela o meu comentário pois, me servirá ape...
Começo meu texto citando uma passagem bíblica de Mateus (Mt
9, 32 -38), embora, não seja sobre ela o meu comentário pois, me servirá apenas, de pretexto para iniciar
outra reflexão.
O Evangelho citado diz que, em certa ocasião, apresentaram a
Jesus “um homem mudo que estava possuído pelo demônio”. Assim que o demônio foi expulso, por Jesus, o
mudo começou a falar com naturalidade.
Tal fato, curiosamente, despertou a malícia dos fariseus que criticaram
Jesus pelo gesto. Parece que a turma
tinha mais interesse na pessoa amordaçada do que falante. Talvez, tivessem mais
proximidade com o diabo do que com Jesus...
Enclausurado em si mesmo, incapaz de expressar seus
sentimentos e pontos de vistas o endemoniado foi alguém roubado de si mesmo.
Estava “possuído” e não na posse de si próprio. Quem o possuía tirava,
totalmente, dele sua capacidade de expressão. Isso nos parece ser mais comum ao
longo da história do que imaginamos à primeira vista. Tirar do outro a capacidade de falar em sua
própria língua e do seu jeito parece que sempre marcou a lógica de qualquer
imperialismo. Mas, nas relações
interpessoais isso também pode acontecer. Quantas esposas atuais se parecem a “Eco”,
deusa da mitologia grega, que incapaz de se expressar, apenas, repetia a última
frase de Narciso, a quem amava? Infelizmente, ainda presenciamos mulheres completamente
silenciadas, principalmente, em países marcados por extremismos religiosos.
Mas, voltemos ao ponto principal de nossa exposição: Nunca lhe passou pela
cabeça o fato de morarmos num pais imenso como o nosso e falarmos uma única
língua oficial? O que aconteceu com mais de 600 línguas que existiam por aqui,
na chegada dos portugueses? Desse contingente linguístico restam apenas
fragmentos espalhados aqui e acolá. Os povos nativos tiveram sufocadas sua
cultura e formas de expressão. Nada disso aconteceu sem muita violência. E as
línguas dos escravizados que aportaram no Brasil, oriundos de diversas regiões
do Continente Africano? O que aconteceram com elas?
Os conquistadores sempre souberam que, para dominar um povo,
primeiro é necessário roubar-lhe a língua. A língua da moda, aparentemente,
mais bonita e valorizada do que a língua dos grotões é também a língua do
dominador. Um povo que fala entre si pode ser perigoso ao sistema dominante;
uma pessoa autônoma, que pensa com a própria cabeça também pode ser perigosa.
Pensar não é problema desde que pensemos com a cabeça feita pelos outros. Esses
“outros” pode ser o mercado, as religiões e os grandes meios de comunicação sempre
preocupados em reproduzir e manter uma “ordem” na sociedade. Para que essa
ordem seja garantida é preciso uniformizar todo mundo e massificar os gostos.
Talvez, seja por isso, que no Brasil, apenas alguns cantores façam sucesso. Nem
sempre o fazem porque sejam bons, mas, porque pagam altos cachês aos grandes
meios de comunicação. O gosto popular é produzido pela eterna repetição das
mesmas vozes de comando.
Precisamos tomar cuidado com esses diabos roubadores de
línguas. Eles sempre existiram, pois, governar um povo emudecido é bem mais fácil do que manipular
marionetes...
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