De onde vem a devoção a Nossa Senhora do Rosário

 

Para falar sobre a devoção mariana a Nossa Senhora do Rosário temos que recuar ao Séc. XIII, mais precisamente, ao sul da França onde surgiu uma grande heresia chamada “albigense”, nome derivado da cidade francesa de Albi. Nesse local, surgiu um movimento religioso cuja doutrina chocava-se com a doutrina católica. Além de negar à Santíssima Trindade os “Cátaros” também chamados de albigenses, afirmavam a dualidade da criação, ou seja, o mundo criado era mau e pertencia ao diabo e somente  o mundo espiritual pertencia a Deus. A consequência disso era o desprezo pelo  casamento e  procriação.

 Nesse contexto de heresias e provações São Domingos de Gusmão, em 1214, teve uma experiência mística, durante a qual, a Virgem Maria entregou-lhe um rosário  e pediu-lhe que rezasse (rezasse o seu saltério) e divulgasse aquela modalidade de oração. Isso aconteceu em Toulose, na França, enquanto o santo fazia orações e penitencias pela conversão dos albigenses.  Nesse caso, o rosário foi uma espécie de arma de combate às heresias e conversão dos hereges incentivado por São Domingos e autorizado pelo Papa Inocêncio III.  A ideia subjacente a essa modalidade de oração era oferecer uma rosa à Nossa Senhora a cada ave Maria rezada. Quando se rezava o terço completo era como oferecesse à Maria uma inteira coroa de flores. Rezar um terço, equivalia, na ocasião, em rezar um terço do rosário , ou seja, 50 Ave-Marias. Por volta da segunda metade do Séc XV, o rosário era composto de três terços com 150 Ave-Marias. Atualmente, ele é formado por quatro terços, ou seja, 200 Ave-Marias.

Três séculos depois o rosário, mais uma vez, foi usado como arma pelas tropas cristãs contra os turcos otomanos  na batalha naval de Lepanto no Golfo de Corinto- Grécia. Na ocasião, o Papa Pio V, havia pedido que todos rezassem o rosário para os combatentes em conflito. Esse foi um duro combate entre cristãos e mulçumanos cuja vitória, dos cristãos em 07 de outubro de 1571 foi atribuída à proteção da Virgem Maria. Por causa disso o Papa instituiu a Festa de Nossa Senhora da Vitória. Mas, o sucessor de Pio V, Gregório XIII, resolveu mudar o nome da festa para “Nossa Senhora do Rosário” e a partir de 1716, o Papa Clemente XI ordenou que a festa de Nossa Senhora do Rosário fosse celebrada em toda a Igreja Católica.

“No Brasil, os escravos adotaram o culto à santa do rosário trazido pelos missionários e também pelos que já a conheciam desde a África, onde a imagem, segundo alguns autores, teria sido usada na catequização por padres portugueses”.

Algumas hipóteses poderão nos ajudar a compreender a ligação dos negros africanos com Nossa Senhora do Rosário:

  Os negros africanos já usavam uma espécie de terço mesmo antes de conhecerem o catolicismo. Trata-se do “rosário” de Ifá, objeto usado pelos sacerdotes para aconselhamento dos fieis e tomadas de decisões com relação ao futuro;

Alguns mitos de origem também nos servirão para explicar essa aproximação das crenças:  

Conta-se que em determinado local do litoral africano (às vezes, brasileiro), Nossa Senhora apareceu. Impressionados com essa aparição os homens brancos fizeram tudo para tirar a santa do mar e levá-la para suas casas. Mas, ela só saiu quando foi buscada pelos negros que dançaram e rezaram e cantaram para homenageá-la ao som dos tambores.  Assim que Nossa Senhora viu o sofrimento dos negros escravizados ela chorou e de suas lágrimas brotaram um capim santo. As sementes desse capim ( Coix lacrymam-jobi) servem para confecção dos rosários. Elas são chamadas de lágrimas de Nossa Senhora.  Por isso, ainda hoje o rosário  mais apreciado pelos negros do congado ou Moçambique  é aquele feito de contas de lágrimas.

Esse título: “Nossa Senhora do Rosário”, atribuído à Maria, ao que parece, foi assumido depois por ela mesma, pois, ao se manifestar em 1917, aos pastorzinhos, em Portugal, ela mesma se apresentou como: Nossa Senhora do Rosário. Em Fátima ela é, oficialmente, conhecida como Nossa Senhora do Rosário de Fátima.

No Brasil, a Festa de Nossa Senhora do Rosário costuma juntar diversos grupos de Congadeiros, Moçambiqueiros e outros grupos ligados à herança cultural africana. Maria, mãe de todos os povos, acolhe a todos com o mesmo carinho maternal, pois nenhuma mãe costuma rejeitar os seus filhos. A Festa de Nossa Senhora do Rosário nos ensina que devemos construir pontes entre culturas diferentes, pois para além das diferenças todos somos irmãos em Cristo.

Fontes:

Augras, Monique. Todos os Santos São Bem-Vindos, RJ, Pallas Editora,2005.

Kranz, Bell. Nossas Senhoras que Inspiram o Brasil. SP, Planeta, 2020.

Primeira foto: Arquivo pessoal

Segunda foto: Dick Culbert