Os bocas de corujas

 

Pior que a previsão do Rafael foi a do Renato Alves. Agora ando as voltas sem saber o que fazer da vida. Mas, vamos por parte:

Domingo de sol, tarde iluminada e eu pronto para pegar a estrada. Ainda bem, que hoje tenho companhia, pensei com meus botões. Rafael, meu antigo parceiro de luta e labuta chegou para trocarmos de carro. Botou o dele na garagem e pegou o meu. O clima já mudou, pois, enquanto o carro dele estava preparado para carregar noiva o meu estava chegando da fazenda e ainda trazia aroma de “cama de frango”. Fizemos a troca e rezei, conforme o costume, para que tudo desse certo na longa viagem. Hoje, que ganhei a síndrome do tatu, qualquer viagem me parece longe demais!

Com Rafael no volante eu me sinto seguro. O homem é bom no que faz! Nessa arte, ele compete com Barbosa, Gilmar, Caxangá e outros. Eu, como sempre, roda dura, nada percebo naquela máquina do tempo. Não demorou dez minutos para Rafael me dizer: - Esse carro está com problema. Depois falou umas coisas mas, entendi que o motor do carro estava balançando. Pronto! A maldade estava feita. Agora tomei medo do carro. Antes disso,  nada via nem ouvia, pois, o uso do cachimbo deixa a boca torta...  Agora, vejo que o carro está tossindo, tremendo e com sinal de pneumonia. Então, me vejo perdido com um carro que pode perder o motor no curso da  estrada.  Antes de tomar o asfalto, fizemos a troca de novo. O meu possante retornou à garagem e viajamos no carro da noiva, ou seja, do Rafael: Limpinho, cheiroso, sem ronco, tosse ou coisa parecida... Ainda na viagem agendei banho, barbeiro e mecânico para o meu carro, mas, antes tomei uma decisão: Se ele não tiver nada vou mandar a conta para Rafael.

Pior do que o episódio do carro foi o que me aconteceu hoje, durante o meu café da manhã.  Todos sabem que Renato Alves não nasceu para apaziguar os ânimos. Diante da menor nuvem no céu ele anuncia logo que vai cair um dilúvio. Herdeiro direto de Cassandra, a deusa “boca de coruja” da mitologia grega, Renato não teve dó, pegou logo, na veia: - Padre sua glicose está boa? - Uai, acho que sim. Mas, o senhor fez exames? - Sim. - Vai ver que faz muito tempo, né? - Ai já comecei a ficar preocupado. Porque você me pergunta isso? - - Nada não, é que estou achando o senhor pálido. - Ah, é? Continuei tomando meu cafezinho, sem consciência de culpa por estar condenado à morte. Mas, ele insistiu: - Vou beliscar o seu braço para ver se o sangue retorna! Ato contínuo, o beliscão! - Não vi se o sangue retornou, mas continuei com o cafezinho. Agora estou lascado, pensei, será que terei vida até o final do dia?

Finalizei meu café e me pus a escrever essa crônica com medo de morrer antes do ponto final. Como até agora isso não me ocorreu, a vida segue. Caso, eu apareça morto ou o meu carro perca o motor na estrada de São José da Varginha, vocês já sabem de quem foi a culpa... Nada pior do que uma pulga atrás da orelha. E tenho dito!

Imagem de Lubos Houska por Pixabay