Um grande mico

 

O mico sobre o qual vou falar não é aquele bichinho que se parece a uma miniatura de macaco e pula de árvore em árvore. Trata-se de uma manota mesmo, um ato falho, que chamarei, elegantemente, de equivoco. Como a grande maioria da humanidade, eu também ando com a cabeça quente e a memória curta. Às vezes, me encontro com alguém e não me lembro do nome daquela pessoa nem de onde a conheci. Alguns, por pura covardia, ainda perguntam: - O senhor me conhece? Mas, é claro, você é a Antônia! Antônia ou Antônio é um nome do qual me valho para sair de apuros semelhantes.  - Não, padre, o meu nome não é Antônia. O senhor já esteve em minha casa, não se lembra? Ó, é claro que me lembro! Você ainda mora naquele lugar abençoado? Aí a pessoa fica feliz e me confirma morar lá no tal lugar que não faço ideia onde fica. Penso em perguntar pela mãe ou pai, mas, vai que eles já morreram... Então, pergunto pela família. O conceito “família” é muito elástico e serve para todos a começar por Adão e Eva.

Outro dia reconheci uma pessoa não pela cara ou pelo jeitão, mas pelo perfume. O seu perfume agridoce me agrediu tanto que ficou registrado na minha memória para sempre. Desse nome eu não me esqueço, pois, basta encontrar-me com a dita cuja, que espirro três dias e três noites! E o que é pior: O seu abraço esfregante é certeiro e, porque não dizer, fatal!

Naquela manhã, de segunda-feira, o mico que me aconteceu foi algo assim:  

- Padre, estão lhe chamando na portaria, alguém me gritou  no fundo da emissora. – Já vou! –Que bom, deve ser o pedreiro que ficou de vir aqui para olhar umas rachaduras no prédio, pensei.  – Olá, tudo bem? Perguntei ao moço na portaria. Tive a impressão que já conhecia aquele camarada. Mas, não me ative a detalhes. Você sabe homem, quando enxerga bem, só vê quarenta por cento da realidade!  Para qualquer efeito era o pedreiro mesmo e pronto. - Você veio olhar aquele serviço? - Perguntei. Ele me olhou desconfiado, nada disse e me acompanhou para o fundo do prédio. Mostrei-lhe as rachaduras e ele se interagiu comigo. Fez-me, algumas perguntas relativas ao estado geral do prédio, às condições da parede, etc. Sua fala, no entanto, me assustou: - É, corre o risco de cair tudo,né!

A conversa fluía muito bem até que ele me disse ter vindo de Florestal. Foi então, que pensei: Tem boi na linha! O pedreiro que eu esperava era de Pará de Minas. Meio sem jeito rompi o constrangimento e perguntei se ele era o pedreiro. Ele respondeu-me com outra pergunta: - Pedreiro? Que pedreiro? Sou militar aposentado. Vim combinar com o senhor os detalhes do encontro de Folia de Reis. Ufa! Que mico estou pagando, pensei. E porque você deu linha sobre o assunto das rachaduras? Ah, padre, eu não queria contradizer o senhor. Mas, eu não entendo absolutamente nada de construções ou reformas! Ele me disse isso, depois de olhar todo o prédio... Meus Deus, e eu aqui conversando com você pensando que fosse o profissional  da área e sua vista nada tem a ver com isso!

Dirceu é muito educado compreendeu o meu embaraço e, simplesmente, respondeu:  - Paciência, Padre, isso acontece nas melhores famílias! Ali mesmo encerramos o assunto das reformas e passamos para a pauta em questão. O pedreiro mesmo, não veio. Só me apareceu  bem depois. Então, procurei verificar se, de fato, ele era o tal pedreiro. Por pouco, não lhe exigi cartão de identidade e CPF.

Foto do "Pedreiro", Dirceu. Arquivo pessoal