Um helicóptero dentro do hospital

 

Cheguei bem cedo ao hospital e o encontrei prostradinho, com uma pequena toalha branca sobre os olhos. Dormindo, com soro nas veias, Cacau mais parecia a um anjo. Essa é a melhor imagem para ilustrar uma pessoa pura e sem nenhuma maldade. Cláudio, o Cacau, é um jovem especial que, perdeu a mãe muito cedo e ganhou outras mães ao longo da vida. É alegre e gosta de dançar. Não tem dobras nem fingimentos. Quando gosta de alguém gosta de verdade e quando não vai com as fuças de outro também não esconde seus sentimentos. Adora se enfiar debaixo da bica d`água,  na Comunidade da Matinha, onde sua família tem uma propriedade e, para desespero de Fátima, sua irmã, não escolhe hora para isso. Se deixar vai tomar banho qualquer hora, ou melhor, mora debaixo da bica. Só não gosta de levantar cedo e odeia chuva, pois a chuva o impede de zanzar pra lá e pra cá. 

Ao saber que estava internado fui visitá-lo e, além da unção dos enfermos, levei para ele quatro maçãs bem vermelhas do jeito que ele gosta. Assim que  me viu chegar seus olhos brilharam. Felizmente, eu estou na lista de quem ele gosta! Após as orações, ele me mostrou o seu brinquedo predileto: Um pequeno helicóptero de plástico!  Depois disso, nossa prosa foi longe. Simulamos um voo no quarto do hospital com ele no comando, é claro. Disse-lhe, que nossa rota seria de São José da Varginha a Pará de Minas. Ele, de pronto, concordou. Mas, imprevistos sempre acontecem e  por isso, em determinada altura da viagem, aconteceu um acidente. O seu helicóptero chocou-se, frontalmente, com o meu estojo dos Santos Óleos.  Com a trombada em pleno ar, Cacau abriu o mais lindo sorriso e esqueceu, por alguns instantes, de sua enfermidade. Percebi que ele gostou da cena do acidente e procurei repeti-la, diversas vezes. Depois de cada trombada ele ria ainda mais. Ângela, sua irmã e, por acaso, nossa assistente de voo ficou ali, na cama ao lado, sem saber o que fazer diante daqueles dois meninos.

Agora escrevo esse texto com os olhos marejados, mas não é tristeza. É contentamento por levar um pouco de alegria a um anjo que estava prostrado. Tenho certeza que no céu nossos anjos também se encontraram e se divertiram ao ver tanta simplicidade num simples encontro de dois amigos. Tenho o privilégio de ter alguns amigos que são anjos de Deus aqui na terra para nos ensinar os caminhos da inocência e da simplicidade. Cacau é um deles. Obrigado Cacau. Mas, da próxima vez, sou eu quem vai pilotar o helicóptero!

Fotos de Cacau (Claudio Almeida dos Santos) - Cedidas por Fátima.