O Masnavi
O que me levou a ler o livro chamado “Masnavi” foi o desejo de conhecer um pouco mais sobre a mística no islã. O livro foi ditado por Rumi...
O que me levou a ler o livro chamado “Masnavi” foi o desejo de conhecer um pouco mais sobre a mística no islã. O livro foi ditado por Rumi (Jalaluddin Rumi) ao seu discípulo Hussan Chelebi, durante um período de doze anos, com início por volta de 1258. As distâncias, temporal, espacial e cultural que nos separam do período de surgimento do livro são agravantes para a nossa compreensão do mesmo. O texto, contendo seis capítulos, é uma espécie de suma místico-teológica, recheado de citações do Alcorão, ditos do Profeta Maomé, alegorias, sermões e anedotas. “Em seu Masnavi, Rumi está, na verdade, descrevendo e discutindo os principais estágios da vida espiritual. Seu objetivo é ensinar o caminho do Amor Divino, que conduz o homem de um estágio mais baixo para um mais elevado.”(1)
Apesar da simplicidade das histórias, que são pequenas fábulas, Rumi quer transmitir grandes ensinamentos morais, filosóficos e espirituais visando levar o homem a uma unidade com Deus. Após sua morte, em 1273, o Masnavi tornou-se, extremamente, popular na Índia, Paquistão, Afeganistão, Ásia Central e Turquia. Hoje é conhecido em todo o mundo.
Vou transcrever alguns trechos do Masnavi que falam a respeito do próprio livro, pois, apesar de ter lido, com atenção, o livro inteiro (2), confesso minha ignorância em compreender boa parte do assunto. Então, vou me ater às próprias citações do texto:
1-Objeção dos tolos ao Masnavi: Certo ganso enfia a cabeça para fora de sua grande gaiola, e se apresenta como um crítico do Masnavi... “Esse poema, o Masnavi, é infantil; não passa de uma história de profetas, e assim por diante... O Livro de Deus se assemelha ao Masnavi nesse ponto. Os infiéis o insultam do mesmo modo... Sabe que as palavras do Alcorão são simples, mas dentro do sentido exterior há um sentido interior secreto – Há um hadith (dito do Profeta) que diz que cada palavra do Alcorão em sete significados... (PP 207 – 208)
1-Seu objetivo ao redigir o Masnavi, era arrancar palavras de Hussan, já que as suas palavras eram as mesmas que as de Deus (PP 224);
2- Nas aparências das palavras do Masnavi, a forma engana, mas o significado interior guia. No Alcorão está dito que suas parábolas “Enganam alguns e guiam outros” – Alcorão II. 26 – (PP - 341)
3-O Masnavi é “uma loja de pobreza e auto-abnegação”, um tesouro que contém somente as doutrinas da Unidade, e se suas histórias sugerem qualquer outra coisa, isso se deve aos maus impulsos de Iblis(ser que representa o mal no Islã) que levou também o próprio Profeta a erradamente atribuir poder indevido aos ídolos Lat e Uzza e Manat, em um versículo que foi depois cancelado - Alcorão LIII. 19. (PP 348).
4-Estás sedento pelo Oceano da espiritualidade? Desfruta, então, dessa ilha que é o Masnavi! Desfruta dele, contanto que vejas em cada momento verdades espirituais reveladas neste Mansvavi. Quando o vento sopra as plantas para fora da superfície da água, esta mostra então sua própria pureza. Contempla os ramos de coral brilhantes e frescos e os ricos brotos crescendo na água da vida! Assim, quando o Masnavi é purgado de letras e palavras, ele as abandona todas, e aparece como mar da Unidade. Então, aquele que fala, aquele que escuta e as palavras ditas, todos os três entregam a alma nessa consumação. Aquele que dá o pão, aquele que come o pão e o próprio pão são purificados de suas formas e se tornam pó.Mas, suas essências em cada uma dessas categorias são diferenciadas como tal eternamente. Sua forma converte-se em pó, mas sua essência não; Se alguém disser que sim, dize-lhe que não. No mundo dos espíritos, todas três esperam julgamento, às vezes em suas formas terrenas, às vezes não (pp - 330).
Como se pode perceber, ao ler o Masnavi, precisamos saber que há um sentido oculto por trás das palavras e fábulas. Somente alguns dotados de um olhar interior – contemplação mística – podem descobrir o sentido real subjacente às palavras. “O olho interior vê além daquilo que alcança a visão do vulgo”. Para ilustrar essa ideia Rumi conta a história de um sufi (místico do Islã), que acompanhou seus amigos até um belo jardim. Chegando lá, no entanto, em vez de contemplar as belezas do jardim, ele sentou-se com a cabeça enterrada no peito. Ao ser questionado, respondeu que toda a beleza do jardim era muito mais visível a ele em seu coração que em sua manifestação exterior. A natureza esconde Deus, mas o Sobrenatural no homem O revela (3). Em outras palavras esse sufi parece repetir a expressão do Pequeno Príncipe, quando afirmou: “ O essencial é invisível ao olhos. Só se vê bem com o próprio coração”.
Vale ressaltar a beleza do prólogo que abre o primeiro livro (primeiro capítulo) do Masnavi, que é o lamento da flauta de bambu. Acho que o conto já traduz os objetivos do livro. Assim, como o bambu que se transformou em flauta, lamenta o seu destino de viver separado dos seus. Cada homem é como uma parte arrancada de Deus, que anseia voltar a Ele como a corça sedenta anseia pela água. Vejamos parte do conto:
Escuta a flauta de bambu, como se queixa, Lamentando seu desterro:
‘Desde que me separaram de minha raiz,
Minhas notas queixosas arrancam lágrimas de homens e mulheres.
Meu peito se rompe, lutando para libertar meus suspiros,
E expressar os acessos de saudade de meu lugar.
Aquele que mora longe de sua casa
Está sempre ansiando pelo dia em que há de voltar.
Ouve-se meu lamento por toda a gente,
Em harmonia com os que se alegram e os que choram.
Cada um interpreta minhas notas de acordo com seus sentimentos.
....
O Amado é tudo em tudo, o amante, apenas seu véu;
Só o Amado é que vive, o amante é coisa morta.
Quando o amante não sente as esporas do Amor,
Ele é como um pássaro que perdeu as asas (...).
O Amor quer ver seu segredo revelado,
Pois se o espelho não reflete, de que servirá?
Sabes por que teu espelho não reflete?
Porque a ferrugem não foi retirada de sua face.
Fosse ele purificado de toda ferrugem e mácula,
Refletiria o brilho do Sol de Deus...
Cada um de nós é como uma flauta de bambu que chora e suspira desejosa de voltar ao Pai, a essa unidade perdida em algum momento. Nós somos os amantes, Deus o Amado. O amante não sabe como viver distante do amado. Por isso, anseia e suspira por essa união, cada vez mais íntima. Por isso, para o místico nada faz sentido quando se está separado ou distante de Deus. Talvez, por isso, o Apóstolo Paulo chegou a dizer: Viver para mim é Cristo, morrer para mim é lucro!
2- Li a edição resumida brasileira, baseada na tradução inglesa de E.H. Whinfield, com tradução de Mônica Udler e Ana Maria Sarda – Rio de Janeiro; Edições Dervish, 1992.
3- Masnavi, PP 230.
Imagem de Hans por Pixabay - Mesquita azul na Cidade de Konya, na Turquia, onde está sepultado Rumi.
Amém 🙏
ResponderExcluirPadre o texto por si foi muito interessante, mas quero parabeniza-lo
ResponderExcluirpelo capricho de escolher e nos mostrar um vídeo da cultura citada.