Testemunha do fim
E lá estava ela maçuda, pesada e desafiando os tempos. A Igrejinha amarela no alto do penhasco já testemunhara muita coisa em sua longa ex...

E lá estava ela maçuda, pesada e desafiando os tempos. A
Igrejinha amarela no alto do penhasco já testemunhara muita coisa em sua longa
existência. Da pequena janela de sua
casa, encolhida num canto de beco, Frei João a contemplava ao final da tarde. A
Igrejinha, quase abandonada lembrava-lhe o seu próprio abandono. Família? Ficou
do outro lado do mar. Fiéis? Quase não havia. Talvez, fosse ele, o último
bastião a sobreviver naqueles penhascos de Minas.
No passado, aquele arraial, literalmente, fervia. Ele ainda com cabelos pretos, ouvia
confissões, benzia e celebrava. Às vezes, fazia isso tudo, muitas vezes ao
dia. No passado, o sino da igreja
marcava o tempo e alegrava as imediações com seu repicado som. Hoje, já não o
ouvia mais a não ser quando morria alguém. A bem da verdade, nem tinha mais
gente para morrer naquelas bandas. Muitos o aconselharam a mudar-se de lá e
chegavam a dizer: “O último que sair apague a luz!”. Mas, a coisas não poderiam
acontecer assim, como se estivessem todas descoladas dele. Ali gastara a vida toda. Plantou flores e
abençoou amores!
Frei João ainda acreditava que o arraial pudesse a ser o que
já fora antes. No entanto, a realidade era imperativa ante seus olhos: Não
havia mais crianças, os velhos morreram e os jovens mudaram-se para as cidades
grandes. Aquele espaço ali? Era o jardim
de Adão! Aquele resto de alicerce? Era o
casarão do barão do café! A fonte no cruzamento das ruas? Secou! E assim, a
ladainha continuava infinitamente. Agora contava-se nos dedos de uma única mão
os moradores daquele lugar.
O que antes parecia fácil a Frei João, agora tornara-se muito
difícil. Quase não saia mais de casa, os pés lhe doíam quando descia a serra
escarpada e subi-la era uma verdadeira penitência. Por isso, às vezes, nem ia mais
ao arraial mais próximo comprar querosene e outras utilidades necessárias. Com
o tempo acostumara-se com o pouco. Na mochila carregava sempre uma bíblia e seu
livro de orações. Já não se lembrava mais da visita do superior ou do bispo da
diocese. Apesar de tudo, havia muita presença em sua solidão! Com disciplina espartana, rezava todos os dias
no mesmos horários e celebrava a missa para si mesmo. Improvisou um altar em
sua casa para não se dar ao trabalho de abrir e fechar a igreja só pra ele.
Numa manhã nevoenta e chuvosa o pior aconteceu. Quando o
leiteiro aproximou-se da casa de Frei João, notou que ela ainda estava fechada
mesmo com a hora avançada. Olhou pela fresta da janela da frente e viu o seu
corpo inclinado sobre a mesa onde estava o livro de orações. A lamparina ainda
estava acesa mas, no quarto, havia uma luminosidade maior do que ela poderia
garantir. O leite ficou na soleira da janela
enquanto o leiteiro correu a bater o sino cuja voz rouca ecoou nos abismos. Os
poucos vizinhos se reuniram e velaram o corpo por certo tempo. Após as orações e
soluços depositaram o corpo do padre, no velho Jardim de Adão. Antes de fechar,
definitivamente, a porta de sua casinha, o último que saiu apagou as velas...
Imagem: Imagem de geertwillemarck por Pixabay
O apego ao tempo. A vida passa e as vezes nos fechamos e apagamos a luz da solidão. Que a luz fique acesa
ResponderExcluirAh! Que crônica emocionante!
ResponderExcluirE o fado ao final confirmou minhas visões das descrições
de esquecidos vilarejos portuguesas.
Sente-se a angústia e a solidão que assola a vida velha, cansada e saudosa do personagem padre...
A igrejinha que, pensa-se ser o alvo da crônica, empresta ao cenário o desgaste do tempo...
E, que lindo! Ali gastara a vida toda! Plantou flores, abençoou amores!
Parabéns, mais uma vez, Padre!
Abraço.
Foi descrita uma igrejinha abandonada pela mudanca das pessoas que ali viviam e este fato não é tão raro, mas o frei Joao ali permanece até o fim de sua vida.
ResponderExcluirSempre esteve precisando de padres em muitos lugares que ainda estão com muita vida, por isto melhor que ele não tivesse sido tão apegado