Pompéu Velho: Dois cemitérios e muitas histórias
Ao final de sua vida, lá pelos idos de 1823, em visita ao cemitério dos pretos, no Pompéu Velho, ela fez uma espécie de chamada a cada um ...

Ao final de sua vida, lá pelos idos de 1823, em visita ao
cemitério dos pretos, no Pompéu Velho, ela fez uma espécie de chamada a cada um
dos falecidos cujos corpos, escravizados, foram sepultados no local que, ainda
hoje existe cercado pelo matagal. O texto romanceado que li, sobre Dona
Joaquina do Pompéu, trás esses relatos (1).
- Miquelina! (Miquelina
fora sua escrava), agora você sabe que fui boa para você. Se apanhou
algumas vezes, é porque mereceu. Criei sua filha que está casada e é respeitadora...
- Meroveu! (outro
escravo) porque foi que você deixou tombar o carro cheio de sal ( o sal era caríssimo na época) no
caminho da Abadia? Se foi para o tronco foi para saber que tangia os bois
distraído! Você chorou porque era brioso; mas o castigo foi bom porque meus
carros não tombaram mais...
- Manuel! Congo! (seu
escravo de confiança) Você foi sempre obediente e humilde, mas me fez
sofrer muito, pois foi você quem matou Catarino, sem minha ordem (Catarino fora suspeito de roubar uma
rapadura na despensa do casarão em Pompéu Velho). Mandei apurar o furto,
mas não mandei matar. Você levou as
correiadas, por não fazer direito às coisas. Você era velho, mas aqui não tem
isso, não. Apanha quem precisa. Viu o castigo do céu? Você foi desenterrado pela tempestade para
pagar sua culpa...(Consta que houve uma
forte tempestade no local e desenterrou os corpos dos cemitérios).
Rosa! Criei você como filha. Você foi boa. Se apanhou naquele
dia foi por ter deixado meu filho rolar pela escada. Aquelas lágrimas foram
benéficas, porque você nunca mais mereceu castigo...
- Miquelina! Você morreu inocente. Contaram candongas de você
com seu Senhor, mandei surrar. Vomitou sangue, amanheceu morta. Apurei tudo,
depois... Sei que agi mal, não merecia. Miquelina, você perdoe sua Sinhá...
Dona Joaquina mandava celebrar todos os anos uma missa por
alma dos seus escravos no cemitério dos pretos. Existem ainda, no Pompéu Velho
(Comunidade Rural de Pompeu) dois
cemitérios: O Cemitério dos Brancos ( onde
a maioria dos seus familiares, inclusive ela, foi sepultada), e o Cemitério
dos escravos. O Cemitério dos negros visava assegurar aos seus escravos um mínimo de
dignidade. Mulher religiosa e de grande
estatura moral, ela não admitia certas coisas em suas terras onde ninguém poderia
viver amasiado ou dando mau exemplo.
Naquele ano, enquanto Pe. Serrão ajeitava os paramentos
litúrgicos para a missa Dona Joaquina deu uma volta ao cemitério como se
estivesse conversando com seus mortos. Sabia o nome de cada um deles e conhecia
suas histórias. A uma de suas escravas chegou a pedir perdão pelo seu erro.
(1) Vasconcelos Agripa. Sinhá Braba. 2
ed. Belo Horizonte, MG: Garnier, 2021. P. 279 -80
Foto: Cemitério dos Escravos - Pompeu Velho
Segunda foto: Cemitério dos brancos