Homem chora, sim senhor!
De minha janela ouvia a discussão entre duas meninas e ambas não deveriam ter dez anos. O motivo da contenda eu não soube mas, vi que a co...

De minha janela ouvia a discussão entre duas meninas e ambas
não deveriam ter dez anos. O motivo da contenda eu não soube mas, vi que a
coisa engrossou num determinado momento. A mais nova encenou um soco e gritou a
todo pulmão: - Vem cá, eu vou lhe mostrar quem é o homem!
Foi esse grito de uma menina que me levou a escrever esse
texto. Afinal, o que significaria “ser homem” para aquela cabecinha loura? No
seu entendimento, já introjetado pela cultura, ser homem é ter a força e o
poder de mando. É aquele que dá as ordens e tem a última palavra. Mas, como uma
pequena criança, como aquela já se revelava tão machista?
Não é fácil filtrar os valores e contra valores de uma determinada
cultura, pois, imerso nela, a pessoa nem sempre percebe quando, simplesmente, a
reproduz. Numa cultura machista é proibido ao homem revelar qualquer forma de
fraqueza como, por exemplo, chorar em público. Se isso acontece ele pode ser
chamado de “mulherzinha,” no diminutivo. O pior é que esse machismo é
introjetado também por algumas mulheres, como foi o caso citado. Por causa
disso, muitas mães não ensinam aos filhos a fazerem comida, trocar a roupa no
bebê, limpar a casa...
Para mim, um grande modelo de masculinidade foi São José,
esposo de Maria. Foi carpinteiro, portanto, um homem do trabalho duro, mas, é
representado com um lírio na mão. No outro braço, em vez de sustentar um
serrote, carrega o Menino Jesus. José soube conciliar o vigor e a ternura e,
talvez, por isso, Jesus se revelou uma pessoa com personalidade tão equilibrada.
Por ter sido educado por um pai assim, Jesus foi compassivo, misericordioso e
capaz de chorar, publicamente, a morte de um amigo.
Odisseu, herói da mitologia grega, que comandou uma guerra
contra Tróia também chorou publicamente. Dez anos após a guerra, ele ainda encontrava-se
perdido em alto mar e procurava, desesperadamente, o caminho para casa. Já
perto de sua terra hospedou-se numa ilha (Ilha dos Feácios) onde não foi
reconhecido. Mas, conforme o costume da ilha ele foi bem recebido no local e
teve direito até a um jantar com música ao vivo. O cantor (Demódoco), sem saber
que o hóspede era o próprio Odisseu cantou as façanhas dos soldados que lutaram
contra Tróia. Ao mencionar, com admiração, o nome de Odisseu ele que estava
presente começou a chorar. Naquele tempo, ao que parece, até aos heróis,
modelos de masculinidade, era dado o direito de chorar.
O machismo é uma doença que deixa muita gente deformada. Mas,
essa doença tem cura. Basta analisar a si mesmo e ir se corrigindo aos poucos.
Comecemos pelo direito ao choro. Meu amigo, você tem o direito de ser carinhoso,
de demonstrar esse amor e de até chorar por ele, se for o caso. Chore, se tiver
vontade. Isso só revelará que você tem coração!
Imagem de Tania Van den Berghen por Pixabay