Costurando palavras

  A costureira não deixa de ser uma grande artista. Ela junta daqui e dali, costura emenda e combina as partes e as cores dos tecidos. Degar...

 


A costureira não deixa de ser uma grande artista. Ela junta daqui e dali, costura emenda e combina as partes e as cores dos tecidos. Degarinho vai arquitetando as peças para formar a roupa encomendada. Em seu ofício ela se especializa também em conhecer as pessoas. É uma psicóloga autodidata. Mas, a imagem que mais lhe adapta é a de arquiteta. Além de psicóloga deve arranjar a morada certa para cada corpo. A roupa que escolhemos para nossa habitação fala muito de nós e, de alguma maneira, retrata nossa personalidade.

Assim também é a missão de quem escreve. Escrever é costurar palavras no corpo de um texto. Desamontoar as palavras e ordená-las faz parte da mística o escritor. Nesse ofício pesado de responsabilidades cada um possui o seu método. Há quem se fecha ao mundo buscando inspiração apenas em seu interior. Por outro lado, existem aqueles que buscam escrever para descrever as inúmeras experiências que brotam da convivência humana.  Para esses, escrever é traduzir em palavras os sonhos e os sentimentos de sua aldeia. Nesse caso, a escrita brota como militância, pois deixa de ser um ato isolado e intimista. Ninguém consegue escrever, entretanto, separando absolutamente essas duas dimensões. Nossa visão de mundo passa por um filtro interior de tal maneira que o texto enquanto produto final é o resultado de uma costura interior das experiências que vem de fora.

A roupa pronta, produto final da costura, não serve em qualquer pessoa. Por mais que a indústria tente, não existe roupa universal. Com o texto acontece algo semelhante. Não temos um padrão estético único para a recepção  do que foi desenhado no papel . As pessoas são diferentes e recebem de forma diferenciada cada texto produzido.  Assim, a folha de papel impressa que, para alguns, serviria apenas para embrulhar rapaduras, para outros, pode ser disputada a tapas. Por isso, conseguimos entender porque alguns leitores não apreciam Guimarães Rosa, Garcia Marques, e tantas outras feras da literatura brasileira.

Gosto do escritor que enxuga com o texto o suor de seu povo e revela no mesmo os sonhos de sua gente.  Assim “costuravam” Jorge Amado, Pablo Neruda e muitos outros.  Esse estilo, para mim, é alto costura. As palavras surgem no texto feito pérolas num colar. As elucubrações intimistas dão lugar a um comprometimento do escritor que faz de sua caneta uma ferramenta em prol de um mundo melhor.  Mas, o artista de verdade, não dispensa a harmonia e a beleza para dizer o que pensa ainda que seu pensamento seja revolucionário. Talvez, por isso dizia Che Quevara: Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás!

Imagem de Mystic Art Design por Pixabay


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