Agarrar pelo topete

 

A mitologia grega retrata um de seus deuses de duas maneiras e com dois nomes: cronos e kairós. Cronos é o deus do tempo. Ele tem um péssimo hábito alimentar: devora todos os seus filhos! Ora, não é isso, que o tempo acaba fazendo com a gente? Algum de nós, irá ficar para semente? Cronos é o tempo medido, cronometrado, implacável com tudo e com todos. A outra representação da divindade é kairós. Kairós é o tempo psicológico. Ele não tem a mesma duração do outro. Quer uma prova? Qual  tempo demora mais a passar, quando você está tomando uma injeção na veia ou diante da pessoa amada? O primeiro tempo dura uma eternidade, não é mesmo? Kairós era representado com um topete no alto da testa – tenho inveja dele – mas a parte traseira da cabeça era calva. Dessa parte não tenho inveja. A ideia era a seguinte: Quando a oportunidade, representada por esse deus, passar perto de você, agarre-a pelo topete, porque senão ela nunca mais volta. Contei essa lereia toda só para dizer que “cavalo arreado só passa na sua porta uma vez!” Agora vamos ao que interessa:

O que nos interessa hoje é comentar uma passagem do Evangelho de São Mateus (Mt 19, 16 -22). Trata-se do diálogo de Jesus com um jovem que não soube agarrar o kairós pelo topete, isso é, perdeu uma grande e única oportunidade. O caso foi o seguinte:

O camarada aproximou-se de Jesus e com uma prosa macia perguntou: Mestre, o que devo fazer de bom para possuir a vida eterna? O forte desse moço era possuir. Ele já era rico, já tinha um grande tesouro, mas quis adquirir também a vida eterna. Jesus orientou-lhe a cumprir os mandamentos e ele disse que isso já fazia desde criança. Ato contínuo, interrogou: O que ainda me falta? Foi aí que aconteceu o pulo do gato, pois, Jesus tocou em seu ponto fraco, no seu calcanhar de Aquiles. Mas, se o ponto fraco do tal Aquiles era o calcanhar, a parte mais sensível desse moço era o bolso. Conhece gente assim? Pois é. Jesus o orientou a vender os seus bens e dar o dinheiro aos pobres para adquirir um tesouro no céu. E o que foi que ele fez? Nada! Tirou o time de campo, pois, era muito rico e não quis trocar o tesouro da terra pelo tesouro do céu.

O moço do Evangelho perdeu uma grande oportunidade. Tivesse aceitado o desafio de Jesus, hoje teria seu nome lembrado, dois mil anos depois e, além disso, estaria rico no céu. Deixou de agarrar kariós pelo topete; deixou escorregar pelos dedos uma grande oportunidade para se tornar santo; deixou de seguir Jesus para cuidar de suas ninharias e, pelo visto, ele tinha muita ninharia! Será que valeu a pena? Talvez, você me lembre do que disse Fernando Pessoa: Tudo vale a pena se a alma não é pequena! Mas, essa afirmação, não se aplica ao caso em questão, pois, quem troca o Reino de Deus por uma galinha choca, realmente, tem a alma pequena. Esse moço perdeu a maior oportunidade de sua vida mas, não conseguiu desapegar-se, de suas tranqueiras. Isso é um risco que todos corremos. Deixar passar a oportunidade de servir a Deus. Você já rejeitou um convite para servir a Deus?

Tenho medo que me aconteça o mesmo que aconteceu àquele jovem. Deus é muito sutil e discreto. Ele convida, mas, não nos obriga a nada. Sabe respeitar nossa liberdade e nosso tempo. Mas, corro o risco de não servi-lo, para cuidar de coisas pequenas do meu interesse. Enquanto isso, junto ao cronos, passa também o kairós e, à mim, não resta outra coisa, a não ser chorar o leite derramado.

Imagem de Henryk Niestrój por Pixabay