Sombras de chuva

  Escrevo nesse momento, sob a sombra de uma correnteza. As gotas de água deslizam, sem pressa, sobre o risco de minha caneta. O momento é m...

 


Escrevo nesse momento, sob a sombra de uma correnteza. As gotas de água deslizam, sem pressa, sobre o risco de minha caneta. O momento é mágico e, somente eu, posso experimentá-lo. Tenho vontade de não escrever e, simplesmente, apreciar a beleza. Mas, se faço, exatamente, o contrário, é para que em minha memória, esse momento fique imortal. Escrevo devagar e sem pressa. Não quero arranhar o belo arranjo formado pela chuva ao cair contra a luz do poste, no para-brisa do meu carro.

Sei que para o leitor esse texto parece confuso. Explicar um momento de inspiração é sempre a parte mais difícil do trabalho. Os momentos  são carregados de beleza que não cabem no meu vocabulário. O texto é uma tentativa, às vezes, frustrada, de trazer o leitor para ser meu cúmplice no flagrante de uma beleza em seu nascedouro.

Estou parado dentro do carro. É noite chuvosa. Parei o veículo sob um poste para ler um pouco. A chuva, silenciosamente, pinga no para-brisa. A sombra das gotas que escorrem sobre o vidro parece deslizar sobre o papel amarelado do livro. Teria que ser um verme para ler, tranquilamente, nesse cenário encantado sem desejar registrá-lo. Apanhei um papel de rascunho. Sob a luz, ele parecia um cristal a escorregar nos meus dedos. Aquilo era Deus!  Mudo, ele gritava comigo. No papel de rascunho, alguém havia desenhado uma meia lua para passar o tempo. Não foi coincidência!  Era o que faltava para completar a beleza do cenário. Na penumbra entre as letras, a meia lua corria, sob a meia luz do poste.

Ao registrar um momento, sempre me perco. Querendo perpetuá-lo o empobreço. Nesse caso, o desafio é pior, pois não consigo a expressão correta e o tempo corre veloz. Carregarei sempre comigo a imagem dessas gotas deslizantes... Enquanto escrevo elas continuam caindo suaves e, mesmo silenciosas, me incomodam. Caem gotas de todos os tipos e formatos: Algumas finas, outras grossas e outras quase insignificantes.  Suas sombras deslizam sobre as bordas do papel à revelia do meu querer. Mas, o que eu quero, na verdade? Nada. Só isso. E tudo isso!   

Imagem de tookapic por Pixabay

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