História do Congado em Pará de Minas
Obs: Esse texto foi escrito para o livro: "Entrelaçando vidas e memórias na travessia do tempo" , organizado por Idê Ferreira e...

Obs: Esse texto foi escrito para o livro: "Entrelaçando vidas e memórias na travessia do tempo", organizado por Idê Ferreira e Terezinha Pereira, duas escritoras de Pará de Minas. O lançamento do livro aconteceu no Museu Municipal, na noite do dia 15/05/2025 com grande presença de público. Esperei o lançamento para publicá-lo em meu blog. O que você vai ler pode ser encontrado, juntamente, com outras entrevistas sobre o tema, no referido livro. Maiores informações sobre esse trabalho poderão ser colhidas no vídeo que gravei com as autoras em meu canal "ggpadre", no Youtube.
Recentemente,
recebi a visita de duas amigas escritoras de Pará de Minas, Terezinha Pereira e Idê Ferreira. Na ocasião,
pediram-me que escrevesse algo sobre o Congado, em Pará de Minas, o que me deu
muita alegria. Ao que parece, o objetivo do pedido é atender exigências de um
projeto que visa a preservação da memória de nossa cidade. Apesar de honrado,
fiquei também preocupado, tendo em vista que a Festa do Congado em Pará de
Minas, já soma mais de cem anos! De acordo com o primeiro registro sobre a
festa, datado de 11 de maio de 1902, no Jornal
O Pará (1), completa 122 anos no próximo dia 11 de maio do corrente ano de
2024. Peço licença para transcrever o texto, na íntegra, inclusive com grafia
antiga, para ser mais fiel. Após o texto
tecerei breves comentários sobre o assunto, para não me alongar muito.
Já o prevíamos: o reinado, neste
anno, devido a sabia direcção dos illustres festeiros, realisou-se com grande
arrumação e enthusiamo. Na noite de 26 do passado, na encantadora igreja do
Rosario, em cuja fachada se viam artísticos letreiro e viva illuminação, teve
logar a ladainha com musica, notando-se extraordinária concorrência.
Após este acto, seguio-se
levantamento da bandeira com toda confuzão que, sempre, offerece a tão
exquisita festa do reinado: negros cantarolavam, musica tocava, sinos
repicavam, foguetes subiam, girândolas rodavam, balões navegavam e meninos
gritavam!
No dia seguinte, devido á chuva que
começara de manhã, teve logar apenas a missa cantada, celebrada pelos revms
padres José Pereira Coelho José Emygdio Marinho e Silvestre Pereira
Coelho.
À tarde do mesmo dia 27, pelos
dignos festeiros, foram offerecidos um lauto jantar de cem talheres e bonita
mesa de doces finíssimos.
A 28, foi um dia limpo e sem nuvem,
continuou a festa, realisando-se a procissão solemne, onde se notou também a
presença do revm Padre Paulino Alves da Fé, nosso santo vigário.
Subiu a púlpito, proferindo bello e
análolgo sermão, verdadeira peça litterária, o muito illustrado padre Marinho,
digno e zelosos vigário da vizinha Villa de Santa Quitéria e nosso estimado
conterrâneo.
Seguiramse depois as cerimônias do
reinado, troca de coroas etc, terminando-se a festa com a entrega dos novos
Reis, às 9 horas da noite.
O Sr Rei e a Sr. Rainha
apresentaram-se correctamente vestidos;
então a sra. D. Symphorosa Mendonça
parecia mesmo uma Rainha: a sua ric toilette de um azul celeste, a sua
elegância natural, tudo dave-lhe um ar de magestade.” *
Faz
alguns anos que moro em Pará de Minas e desde que aqui cheguei em 1994,
acompanho os grupos de congado. Confesso que, muito do que sei, aprendi com
eles mesmos. Hoje me sinto congadeiro e acompanho, não apenas, os grupos de
Pará de Minas, mas também, grupos de boa parte da nossa região. Esse tempo de
trinta anos é pouco dentro da tradição do congado, pois alguns congadeiros já
estão com mais de oitenta anos e a festa já existia por aqui, mesmo antes
deles.
No
texto citado podemos constatar que os congadeiros sempre sofreram preconceitos
desde a origem. Os adjetivos para a festa não escondem isso: “Confusão”, “festa
esquisita”, “balbúrdia”... A diferença é notável quando se fala dos brancos e
dos negros! Cem anos já se passaram e os congadeiros ainda sofrem com tais
preconceitos. A Igreja do Rosário, na praça de mesmo nome, foi demolida nos
idos de 1940 e a antiga Praça do Rosário mudou de nome. Desse tempo sobrou
apenas o nome de uma rua, a Rua do Rosário, que termina na Praça Melo Viana.
Existem
hoje, em Pará de Minas, cinco grupos de Congado
e um de Moçambique.
1-
A Guarda de Congo Sagrada Família de
Nossa Senhora do Rosário, foi fundada por Dona Vicentina Moreira Alves
(Dona Nica - falecida) e Sr. José Penha e José Faustino S. Silva, o Zezé
Badalada- atual Capitão - por volta de 2006. Eles chamaram novos integrantes e
organizaram o Terno ou Guarda. Essa terminologia militar (Guarda, Capitão,
Alferes) remonta a tempos muito antigos, talvez, às disputas entre os diversos
reinos do Congo.
2-
A Guarda de Marinheiro Nossa Senhora do
Rosário de Santo Antônio do Paiol foi fundada por volta de 1960, no
Distrito de Córrego do Barro, por José Alves da Silva. Com sua mudança para
Pará de Minas, em meados de 78, a Guarda acabou recebendo novos membros e até
hoje, existe, sem sede própria, no
Bairro Santos Dumont.
3-
A Guarda de Marinheiro de Nossa Senhora
do Rosário já fez 15 anos de existência e foi fundada por Sr. Amaral
Antônio Rezende, falecido. O atual Capitão da Guarda é João Pedro dos Santos
Santana. Sem sede própria, o grupo se reúne no Bairro Pe. Libério. Atualmente,
a Guarda conta com muitos membros e tem boa participação nos eventos da Cidade
e região.
4-
A Guarda de Congo Nossa Senhora Aparecida
foi criada por Rafael Ribeiro da Silveira, atual Capitão, e tem “sede” no
Bairro Vila Ferreira, na própria residência do Capitão. Apesar de ser muito
nova, só tem dois anos, nasceu muito vigorosa e conta com um bom número de
participantes.
5-
A Guarda Mirim de Santa Efigênia é
formada por crianças e coordenada pela Capitã Dona Marta Auxiliadora dos
Santos. Como é composta por crianças, os participantes dessa guarda estão
sempre se renovando. Dona Marta abriga em sua própria residência os
instrumentos da Guarda. Antes de Dona Marta criar essa guarda já existiu no
Bairro Santos Dumont, a Guarda Mirim do Divino Espírito Santo. Hoje ela não
existe mais mas, uma guarda mirim nunca deixou de existir completamente, em
nossa Cidade.
Grupo de Moçambique Irmandade Os Nonatos.
O
Grupo de Moçambique da Irmandade Os
Nonatos originou-se em Belo Horizonte com Dona Raimunda Nonata Coelho de
Souza, Rainha Perpétua e seu marido falecido,
Sr. Manoel João de Souza, nascido em Betim, ao final do Séc. XIX. Desde
cedo, Sr. Manoel participava do Moçambique com seus familiares. Quando Sr.
Manoel foi morar em Belo Horizonte fundou, na Capital, a Guarda de Nossa Senhora do Rosário.
Mudando-se para Pará de Minas, nos idos de 1960, juntamente com sua esposa Dona
Raimunda Nonata, trouxe para cá sua devoção. A história do grupo é longa e não
daria para ser contada nesse pequeno artigo. Entre altos e baixos, o grupo hoje
sobrevive de forma vigorosa, inclusive, com muitos jovens e já fez apresentações em quase todas as
cidades da região. A sede da Irmandade, no Bairro de Fátima, concentra muita
gente por ocasião da Festa do Reinado de Nossa Senhora do Rosário, que
acontece, religiosamente, todos os anos. O jovem Capitão Walace Santos Souza,
neto de Dona Raimunda, carrega, atualmente, a grande responsabilidade de
perpetuar tão nobre tradição religiosa familiar.
Algumas
dificuldades são comuns na vida de quase todos os grupos. Entre elas podemos
enumerar:
-Incompreensão
de parte da comunidade católica e até mesmo de parte do clero;
-Idade
avançada de alguns membros que são guardiões da fé e da tradição do congado;
-Falta
de assessoria jurídica para organização dos documentos que poderiam garantir
ajuda de custo aos grupos, por parte do Estado;
-Falta
de unidade e, às vezes, certa disputa entre os grupos de congado;
-Preconceitos
com relação a tudo o que se liga à herança africana;
-Incompreensão
dos valores tradicionais próprios da tradição congadeira.
O
Congado em Pará de Minas, conta com a participação de muitos jovens, inclusive
ocupando postos de liderança. Isso é um bom sinal, pois quando não se renova, o
grupo acaba. Anualmente, os grupos promovem suas festas e, mesmo com
dificuldades, não deixam de cultuar os seus santos de devoção. No ano passado
tivemos três festas na Cidade: No Bairro Santos Dumont, Vila Ferreira e Bairro
de Fátima. Além das festas que acontecem aqui, os congadeiros sempre visitam as
cidades vizinhas, durante suas festas, provando que os Filhos do Rosário são
todos irmãos apesar das diferenças. Cada congadeiro, ou moçambiqueiro se
considera uma conta do Rosário de Maria. O fio que une essas contas são a fé e
a devoção à Virgem do Rosário.
*Outra fonte de
consulta: Dossiê de Registro Patrimônio
Imaterial Formas de Expressão Guardas de Congado, do Município de Pará de
Minas. Tombado pela Lei Municipal Nº
5064 de 19 de agosto de 2010.
*Diversos artigos pessoais: https://ggpadre.blogspot.com/search?q=congado Em 14 de março de 2024.
Foto: Dona Marta - Arquivo Pessoal
Padre que beleza o livro destas escritoras! registraram a memória de personagens importantes, mas que nunca seriam reconhecidos pela população da cidade.
ResponderExcluirO Senhor tinha mesmo que ser reconhecido pelo trabalho de valorização desta cultura do Congado e Folia de Reis da região, inclusive já tinha dado ao Senhor, com toda justiça, a titulação de embaixador deles.
Desejo quem sabe um dia, conhecer estas escritoras, ler seu livro, já que na simplicidade mostrada na entrevista, fizeram um belíssimo trabalho.